Por Marcelo Alves
O meu querido “Aurélio” – e aqui falo do enorme e pesadíssimo “Novo dicionário da língua portuguesa” de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Editora Nova Fronteira, 1986 – define a palavra “critério” como “aquilo que serve de base para comparação, julgamento ou apreciação”. “Devemos ter um critério” – diz-se quase como uma sabença popular imemorial – para que assim possamos, racional e fundamentadamente, deliberar, decidir, escolher, afirmar e até crer.
Para além das decisões/opiniões dadas na minha profissão, eu tenho os meus critérios para as coisas simples da vida. Uma dessas coisitas é o ato/momento/oportunidade de comprar livros quando estou viajando. Devo ou não devo comprar? Escolho esta ou aquela obra? Não quero ser tido, flanando pela Zorópa, xeretando livrarias e sebos, como um “Asno de Buridan” letrado.
Basicamente, procuro por livros que atendam, o máximo possível, a três critérios – ser barato, leve e conter imagens, o que, sabemos, não é fácil de compatibilizar, muito mais nos dias de hoje, num só “espécime” livresco.
Bom, o barato é algo relativo. Mas, com a inflação mundo afora e sobretudo com a desvalorização do nosso real em relação ao dólar e ao euro, está ficando difícil achar esse barato. E tem lugares e lugares. Quando estive em Dubai, por exemplo, os livros eram coisa de três vezes o valor na Europa ou nos EUA. Já na Índia, livros enormes, de filosofia ou teoria geral do direito, em inglês, curiosíssimos, eram quase de “graça”. Era para eu ter enchido uma mala.
O fato é que estabeleço meu teto para cada tipo de livro. Se usado e em formato poche, no máximo 2 euros. Mas, claro, faço minhas pequenas transgressões. “Transgresser, c’est humain”, dizem. Comprei na minha última viagem um tal “Le gouvernement des juges” (Editora Desclée De Brouwer, 2023) por 18,90 euros. Embora em capa mole e papel de jornal, é um livro recentíssimo e o assunto é “do momento”. Foi um investimento.
O peso que carregamos numa viagem é algo relevantíssimo. Para o nosso conforto e bolso. Carregar malas em trem é luta. A bagagem em avião está cada vez mais cara. E livros pesam deveras. Procuro livros leves e muitas vezes “dispenso” livros interessantes, porém pesadíssimos. Mas aqui também às vezes transgrido as regras. Na mesma viagem acima citada comprei um tijolão em capa dura intitulado “Portraits de procureurs” (Tomo 1, Editora LexisNexis, 2020), que “apresenta biografias de procuradores [da república francesa], algumas bem detalhadas, acompanhadas da história de processos em que estes procuradores atuaram, outras mais sucintas, mas esclarecendo uma questão particular de direito relacionada ao tema do respectivo capítulo.
Pela evocação das personagens, o autor busca demonstrar que os procuradores da república participaram de inúmeros eventos políticos, do desenvolvimento institucional, legal e social do país, acontecimentos fundamentais que formataram a história da França”. Embora pesando um 1kg, comprei o dito cujo. Évidemment, quero conhecer a história dos meus congêneres gauleses.
Por fim, o critério das imagens nos livros. Se sou um amante dessa mistura livresca – letras, imagens e, se possível, até som, por meio de uma bela interpretação –, reconheço que esse critério tem um problema. Ele está quase sempre em contradição com os critérios do preço e do peso. Os livros com imagens geralmente são caros e pesados. Mas dou meus pulos.
Em South Kensington/Londres, comprei um maravilhoso livro de divulgação científica (gênero literário que adoro), “Scientifica Historica: how the world’s great science books chart the history of knowledge” (de Brian Clegg, Ivy Press, 2019), por menos de 10 libras. Mil e uma imagens. Belíssimo. Quanto ao peso, tomei logo um vinho da mala. E, já em Paris, topei com um achado: “Les timbres: guide pratique du collectionneur” (Editions Atlas, 1984), por Benito Caronene (texto original em italiano). Livro de formato grande, mas usado e baratíssimo. 1 euro. Imagens/fotografias de selos em gostosíssima fartura. Longe de casa, funcionou para mim como a “Madeleine de Proust”, em busca de um tempo em que, menino-filatelista, aprendia e sonhava com os colecionadores do mundo. Pagaria cem vezes mais e carregaria o danado nas costas.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
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