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domingo - 09/02/2014 - 11:56h

De tirania e servidão

Por Honório de Medeiros

Finalmente expulsos da Terra Santa pelos Sarracenos em 1302 d.c., os Templários passaram a ter sua imensa riqueza cobiçada no Ocidente por soberanos e nobres, e seu prestígio e privilégios, assegurados até então pelos papas, invejados pelo clero.Dentre eles, entretanto, nenhum chegou ao extremo de Filipe, o Belo, neto de São Luis, Rei da França.

"O belo": mestre do mal

Com o tesouro esgotado pelas lutas contra os barões feudais na tentativa de fortalecer seu reino e impor sua vontade, Filipe, para muitos o precursor do Estado-Nação, percebeu que muito próximo de si havia riqueza suficiente para saciar sua ambição e desenvolver seus projetos hegemônicos. O primeiro grande obstáculo a vencer era a Igreja, no seio da qual fora criada a Ordem do Templo, sob as bênçãos de Honório II.

Conta Charles G. Addison, historiador inglês, em seu acurado “A História dos Cavaleiros Templários e do Templo”, que “quando da morte do papa Bento IX (em 1304), ele conseguiu, por meio das intrigas do Cardeal Dupré, elevar o arcebispo de Bordéus, uma criatura sua, ao trono pontifical. O novo papa transferiu a Santa Sé de Roma para a França; convocou todos os cardeais a Lyon e ali foi consagrado (1305 d.c.), com o nome de Clemente V, na presença do Rei Filipe e seus nobres.”

O primeiro passo fora dado.

A seguir o papa convoca os cavaleiros templários a Bordéus.

Em 1307 o Grão Mestre do Templo e sessenta cavaleiros desembarcam na França e depositam o tesouro da Ordem no Templo de Paris. Jamais sairiam de lá.

Entrementes o Rei francês fazia circular diversos boatos sinistros e notícias odiosas a respeito dos Templários por toda a Europa, acusando-os de terem perdido a Terra Santa por não serem bons cristãos. Depois, com base no depoimento de um cidadão condenado que viria a receber, posteriormente, o perdão real, mandou capturar, no reino, secretamente, todos os membros da Ordem, ao mesmo tempo em que determinava uma devassa nos bens dos Templários.

A seguir Filipe endereçou correspondência aos reis europeus exortando-os a acompanhar seu exemplo. E, então, os acusou dos mais esdrúxulos e inverossímeis crimes, tais como satanismo, sodomia, depravação herética e outros mais.

Esses mesmos Cavaleiros Templários que durante centenas de anos derramaram seu sangue nas areias escaldantes da Palestina a serviço da Igreja, com as bênçãos e reverências dos reis da cristandade…

O resto pertence à história.

Torturados, espoliados, dizimados, os templários desapareceram de cena enquanto Filipe de França, e Eduardo, da Inglaterra, bem como o papa Clemente, passaram a mão em sua riqueza. Saliente-se que o Rei de Portugal, à época, não somente se recusou a fazer o mesmo, como deu guarida aos templários fugitivos que para lá se dirigiram.

Em tempos mais recentes, nos famosos expurgos realizados na União Soviética, a criação de crimes imaginários por parte da máquina do Estado a serviço de Stalin conduziu milhares de russos ao pelotão de fuzilamento ou aos campos de concentração. Quem desejar ler acerca do “modus faciendi” da máquina de acusação recomendo “O Zero e o Infinito”, do hoje esquecido Arthur Koestler, uma crítica contundente ao despotismo estalinista.

Esses fatos demonstram algo: em primeiro lugar, no que diz respeito à luta pelo Poder e sua manutenção, nada é novo, tudo é contemporâneo da existência do Homo Sapiens na face da terra; em segundo, não podemos permitir a concentração de Poder nas mãos de quem quer que seja; e, em terceiro, seja qual seja o credo ou ideologia, se favorecemos a concentração de Poder nas mãos de um, ou de alguns, muitos irão sofrer as consequências no futuro.

Tais afirmações dizem respeito a qualquer agrupamento no qual o Homem viva em Sociedade. Tanto pode ser em família quanto, por exemplo, em uma Sociedade como a dos Estados Unidos da América, onde os métodos utilizados pelos seus serviços secretos, hoje em dia, aos poucos vão estrangulando as liberdades civis sob o falso argumento de proteção da segurança do País e seus habitantes.

Na verdade o grande profeta dos últimos tempos acerca do exercício do Poder e suas decorrências foi George Orwell, em “A Revolução dos Bichos”; quanto à falta de legitimidade dos que o exercem, é de se render homenagens a Étienne de la Boétie e seu fabuloso “Discurso Acerca da Servidão Voluntária”.

Quão imensa é a vocação do Homem para a tirania e a servidão…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Professor Honório de Medeiros, que aula!!!
    Escreva muito!!!
    Estou perplexa…sobre os templários, devo ter estudado, mas como esqueci o esbulho ocorrido na França?
    George Orwell…” A Revolução dos Bichos”…Seu artigo é uma bela de uma aula! Gosto de aprender e de lembrar o que esqueci para, como agora, refletir que nada há de novo no Reino da Dinamarca!
    Há necessidade de descentralização, até na administração de uma casa.
    Mais, por favor!

  2. Marcos Araújo diz:

    Grande escritor Honório! Nesses tempos da trivialidade e do conhecimento superficial, você sempre premia os seus leitores com a profundidade sapiencial de quem conhece muito, de filosofia à história. Renovada a admiração. E, assim como disse a nossa querida Naide Rosado, por favor, escreva mais!

  3. naide maria rosado de souza diz:

    Marcos Araújo, obrigada. Você, também, é um querido! Beijos na linda esposa.

  4. Honório de Medeiros diz:

    Eu, sinceramente, não tenho palavras para agradecer a gentileza de vocês, Marcos Araújo e Naide Maria. Imaginem a alegria para quem escreve, ser lido e elogiado por leitores qualificados como vocês. Muito obrigado.

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