domingo - 02/03/2025 - 11:36h

Desdém

Por Bruno Ernesto

Tronco amarrado no jardim de Dona Lourdes, minha mãe Foto do autor da crônica)

Tronco amarrado no jardim de Dona Lourdes, minha mãe Foto do autor da crônica)

Manhã de sexta-feira de carnaval, passei para falar com minha mãe antes do feriadão começar e poder me certificar quais plantas do jardim dela precisam de um cuidado adicional.

Embora esteja chovendo copiosamente, todo cuidado é pouco.

Apressada para poder pegar a estrada, saiu me apontando os jarros que ela queria mais atenção.

Olhou, olhou. Puxou um, outro. Trocou de lugar um jarro com uma muda de cróton.

Tinha várias novidades.

Ergueu um pequeno jarro contendo uma planta de folhas bem verdes, listras brancas – quase como estivesse sido feitas com um lápis giz -, e uma pequena flor amarela bem no topo.

– Cuidado com essa. Essa precisa só de um gole d´água. Não sei o nome dela.

Para facilitar a vida – eis umas das vantagens da inteligência artificial -, utilizo um aplicativo gratuito (PlantNet) instalado no celular que identifica rapidamente a flora. Basta fotografar e escolher como identificar: pela folha, flor, fruto, casca e hábito.

Era uma pequena zebra.

Percorremos o jardim e ela a me apontar cada planta, como se fosse uma médica apontando cada paciente em seu leito numa troca de plantão.

Me chamou para perto do portão pequeno e me apontou outras novidades, cujos nomes ainda não decorou.

Mais uma vez me vali do aplicativo: Dois Amores e uma Euphorbia Lactea Cristata, uma suculenta esquisita, popularmente conhecida como cacto monstro.

Apontando para o cacto, disse preocupada que o neto caçula, meu sobrinho Lucas – um príncipe de quase dois anos de idade e dono de uma personalidade que vai lhe ser muito útil -, já anda investigando o jardim, e vez ou outra aponta as mãozinhas no cacto monstro.

Entretanto, o que me chamou a atenção foi que ali, bem ao lado do cacto mostro, no meio da folhagem bem verde, se destacava uma flor com cinco pétalas, aveludada e bem vermelha. Única flor.

Como gosto de registrar as florações, cuidei de tirar algumas fotos dela e ao mudar de ângulo, percebi que, embora se tratasse de uma rosa-do-deserto, ela não era aquela típica rosa-do-deserto que se assemelha a um baobá em miniatura.

Seu caule era alongado e lembrava o do buquê-de-noiva, e estava amarrada num velho cabo de vassoura, já bem enferrujado e que serviu como guia quando a muda foi plantada naquele jarro.

Bem onde estava amarrado, o barbante laçado apertou-lhe o caule de tal forma que o marcou definitivamente, mas não impediu o seu crescimento. Certamente dificultou.

Como resultado, brotou uma única e solitária flor. A planta, porém, com desdém, caprichou.

Mais ou menos como devemos ser na vida.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica

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