Por Inácio Augusto de Almeida
Parece ser um urso muito grande. Grande e branco. Ao lado um cordeirinho, também branco. Quanto mais olho, mais animais branquinhos vejo. É como se todo o mundo animal estivesse travestido de branco.
A torre da igreja parece deslocar-se no espaço. A cruz, principalmente a cruz, dá-me a impressão de que está adquirindo uma velocidade cada vez maior, como que se estivesse animada por uma aceleração crescente.
O chão é frio e a brisa que vem da praia um tanto quanto distante me refresca e torna suportável a quentura deste sol a pino.Os bichinhos brancos já não estão nos mesmos lugares e alguns até já se transmudaram. Cadê o urso? E o cordeirinho?
Faço um esforço e, mesmo com os olhos um tanto cansados de olhar para o infinito, vejo novas figuras.
Um Ãndio, vejo um Ãndio montado à maneira Ãndia. Um pouco à esquerda, um cavalo, um cavalo como que em disparada.
O vento que sopra e que tudo muda e desloca; a cruz que parece embevecida pela velocidade sem controle; a poeira que se levanta em moinhos em redemoinhos indisciplinados; o relógio que bate a primeira hora da tarde.
Tudo me lembra um barco à deriva num rio caudaloso.
Levanto-me meio sujo de areia, areia do chão frio da calçada ensombrada pela torre da igreja. O estômago dói, tenho fome e ninguém pode sonhar com fome.
Será somente a areia que se levanta tangida por forças as quais não pode resistir? Serão somente as nuvens que mudam de lugar sem o direito sequer de reclamar? E a cruz? Será somente a cruz que parece correr e parada está?
Ventos que levam as coisas, ventos que levam as pessoas.
Tudo, quem sabe, depende do vento que soprar. Da força e da direção do vento…
O barulho do trem é enorme, tão grande quanto a sua lentidão, tão descomunal quanto a sua carga de pedras brancas… Por que tudo se me apresenta branco?
Melhor assim… Que o preto só venha no fim e, mesmo assim, que a laje seja branca… Branca como aquele cordeirinho que agorinha estava ali. Cadê o cordeirinho?…
E amanhã? Serei urso ou cordeiro? Ou melhor, quanto tempo serei urso e quanto tempo serei cordeiro? Certamente tudo dependerá do vento que soprar.
Ah se me fosse possÃvel saber qual a intensidade e a direção do vento que amanhã me levará por estes caminhos e descaminhos…
Sinto mais fome. É a realidade se fazendo presente. É o vento que começa a soprar.
Levanto-me e começo a caminhar. Ao olhar para trás vejo a igreja de São Vicente e consigo ver os furos deixados pelas balas de cangaceiros que tentaram saquear Mossoró. Tenho a impressão de que uma chuva fina começa a cair.
Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor
O autor se superou! Fantástico! Fiquei verdadeiramente tonto com as imagens construÃdas! Um dos melhores textos que eu li do Senhor Inácio!
Senhor Inácio Rodrigues
Muito obrigado por ter lido estas minhas “mal traçadas linhas”…
O Odemirton Filho já sugeriu a feitura de um livro reunindo crônicas e poesias publicadas aos domingos no nosso Blog. Eu concordo e desde já autorizo a publicação de qualquer texto meu.
Desde que o conseguido com a venda dos livros seja comprado de tênis para calçar as crianças que nas creches de Mossoró UNIFORME ESCOLAR não recebem e usam sandálias japonesas, quando usam.
Você, Inácio Rodrigues, saiba que a sua colaboração irá abrilhantar o livro TEXTOS DO NOSSO BLOG.
O prefácio a senhora Naide Maria Rosado de Souza já assumiu o compromisso de escrever.
Sr. Inácio. Mesmo viajando, sem saber se o meu comentário chegará, não posso deixar de dar os parabéns por sua excelente Crônica. Amei!