Por Honório de Medeiros
Leiam isso: “Aqueles a quem o povo deu o poder deveriam ser mais suportáveis; e sê-lo-iam, a meu ver, se, desde o momento em se vêem colocados em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidissem ocupa-lo para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. Ora, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareçam, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio que aumentar a servidão, afastando tanto dos súditos a idéia de liberdade que estes, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela”.
E isso: “Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, (…) as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, o preço da liberdade que perdiam, as ferramentas da tirania”.
Parece recente? Não o é.
Trata-se, tanto um quanto o outro, de excertos da excepcional obra “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, de La Boétie, escrita entre 1546-1548.
Esse francês, nascido em 1º de novembro de 1530, no condado de Périgord, França, e morto em 1563, perto de Bordéus, aos trinta e três anos, foi o maior dos amigos de Montaigne, que lhe era mais novo dois anos. Dessa amizade o próprio Montaigne deixou registro emocionante: “Vindo a durar tão pouco e tendo começado tão tarde, pois éramos ambos homens feitos e ele mais velho do que eu alguns anos, não tínhamos tempo a perder, nem tivemos de nos ater aos modelos de amizade moles e regulares que necessitam de precauções e conversações prévias”.
Quanto à genialidade de La Boétie é bastante o depoimento do seu tradutor, o português Manuel João Gomes na edição Antígona, de Lisboa, Portugal, 1997: “Para La Boétie é ilegítimo o poder que um só homem exerce sobre os outros; (…) O Discurso afirma a liberdade e a igualdade absolutas de todos os homens; Indo mais longe do que Maquiavel (o primeiro que reconheceu o poder efetivo das massas), La Boétie incita os povos a desobedecerem aos príncipes (governantes) e, com uma clareza até então nunca vista, põe em evidência a força da opinião pública”.
Tudo isso aos dezoito anos de idade! Ler La Boétie é, principalmente, perceber quão antiga permanece a luta do homem para não ser completamente subjugado pelo Estado.
Ela começou na longínqua Idade Antiga, quando os maravilhosos gregos inventaram a Democracia. Prossegue até hoje, apesar dos percalços. Mas está cada dia mais difícil: no Oriente Médio disputa-se o poder à custa do sangue de inocentes. Israel, secundado pelos Estados Unidos e sua doutrina da “guerra preventiva”, mata, como os nazistas faziam aos serem atacados pela resistência, a dez por um.
E assim vamos marchando rumo à barbárie, inexoravelmente, e à tirania, sob o pretexto de combater o terrorismo, como quem está com um encontro marcado com o final de tudo.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário de Estado e da Prefeitura do Natal.
nunca vi um texto se encaixar tao bem a nossa realidade politica,de MOSSORO,
so um adendo,a maioria desses súditos,tem a memoria fresca,só que corrompida,comprável,sao os que se alimentam das migalhas que caem da mesa da oligarquia,e o pior,para eles nao existe remorsos.
eles só enxergam o seu bem estar,sem que para isso,sacrifiquem o bem estar da maioria.
porque afinal,oligarquia,é um governo a favor de poucos,enriquecedor de uma minoria.
b dia caro jornalista,parabens p nova roupagem do seu blog,…..mas nao esqueça sua indumentária, sua marca,seus suspensórios, b domingo p tds[as] webleitores.
Sou em plena concordância com o comentário do Itamar. Me (sic) sinto bem, muito bem ao ler ideias afins.
Recentemente, graças a força do quarto poder que atua com a maior criação cultural já concebida pela humanidade – a palavra -, conseguimos virar mais uma página de servidão voluntária que existia em pleno em algumas instituições públicas sob a fachada e égide de “contratos provisórios”.
Muito grato pela excelente leitura matinal que dá início e já prenuncia uma boa qualidade de sucessivas circunstâncias dominicais.
Colimando o foco do texto nesse contexto atual, 2011, era pós-moderna troglodítica, dito assim como um oximoro, um paradoxo, exatamente para se adequar a natureza dos fatos. O fato é que, hoje, tempo bastante remoto da era antiga das ideias modernas continuamos ainda a interpretar projeções (fachadas, silhuetas,fuligens) do que se nos dá a luz daquilo que vem a ser, na alegoria platônica da idade antiga, o mito da caverna.
Muita gente no escuro e está sobrando luz, muita luz que vem de muito longe.
Muito nme interessa o tema e o rema desse texto do Honório.
Brilhante artigo do professor Honório de Medeiros. Como é atual do texto de La Boétie (“Discurso sobre a servidão voluntária”). Diante do referido artigo, fica patente que o discurso oficial serve aos interesses do segmento dominante da sociedade, seja em que esfera for (local, estadual ou federal). A prática política tem que está vinculada às realidades sociais, caso contrário torna-se uma “política ideológica” elaborada pela ideologia dominante. Assim sendo, as práticas políticas adotadas pelas elites dirigentes são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opressão. Supõe-se, aqui, que a falta de uma consciência histórica, política e social por parte da sociedade mossoroense dá significado e intencionalidade as ações da grupos polítcos dominantes lociais. Logo, tal prática incorpora-se de métodos dogmáticos, não reconhecendo na prática social a participação da coletividade na intervenção da autoadministração do executivo municipal. O que se ver é um sistema político voltado a fornecer instrumentos capazes de promover ao homam sua condição de dominado. A classe que está no poder jamais fornecerá ao povo instrumentos para lutar por seus direitos. O que se pretende, e esse é seu objetivo, é criar um clima amigável para alimentar as relações democráticas, que através de uma forma sutil de adestramento assegure o controle da sociedade. Essa “relação amigável” entre dominado e dominador serve para amortecer o receio que se manifesta no interior das classes dirigentes de ver seu poder ameaçado.