Lá se vão 20 anos.
Hoje faz esse tempo: são 20 anos de ausência física do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Para não passar em branco, esse papel virtual tenta plasmar um de seus temas preferidos: o amor. Abaixo, mais uma de suas belas heranças. Um legado a nós e às várias gerações que virão:
Ao amor antigo
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Drummond em Nossas Conversas
Lavadeiras de Moçoró
AS LAVADEIRAS DE MOÇORÓ, cada uma tem sua pedra no rio; cada pedra é herança de família, passando de mãe a filha, de filha a neta, como vão passando as águas no tempo. As pedras têm um polimento que revela a ação de muitos dias e muitas lavadeiras. Servem de espelho a suas donas. E suas formas diferentes também correspondem de certo modo à figura física de quem as usa. Umas são arredondadas e cheias, aquelas magras e angulosas, e todas têm ar próprio, que não se presta a confusão.
A lavadeira e a pedra formam um ente especial, que se divide e se unifica ao sabor do trabalho. Se a mulher entoa uma canção, percebe-se que a pedra a acompanha em surdina. Outras vezes, parece que o canto murmurante vem da pedra, e a lavadeira lhe dá volume e desenvolvimento.
Na pobreza natural das lavadeiras, as pedras são uma fortuna, jóias que elas não precisam levar para casa. Ninguém as rouba, nem elas, de tão fiéis, se deixariam seduzir por estranhos.
Lavadeiras de Moçoró II
ENTRE AS LAVADEIRAS DE MOÇORÓ, Luzia se destaca. Sua pele é de ébano polido, reluzente, e dizem que roupa lavada por suas mãos, não há brancura que a suplante em todo o Norte.
A pedra que Luzia recebeu de sua mãe, e esta de sua avó, faria inveja às outras lavadeiras, de tão grande e listrada de veios de cor, se Luzia não fosse tão boa colega. Freqüentemente cede a sua pedra à vizinha que namora com os olhos uma coisa tão importante e boa de nela se bater roupa. Enquanto isso, Luzia afasta-se, fica pensando no marinheiro de Santos.
Por que marinheiro, por que de Santos? Porque sua sina é casar-se com ele, segundo anuncia o sinal escrito na pedra. Luzia nunca saiu de Moçoró, e de marinheiros em geral tem escassa notícia. Mas Rufino a espera em Santos, é a pedra que o diz, lida e interpretada pela comadre de Luzia, que sabe a lição das coisas e nunca errou nos vaticínios.
Lá vai Luzia a caminho de Santos, as colegas choram ao apitar o vapor, Luzia tem lágrimas nos olhos empapuçados e vermelhos. Na pedra ninguém tocará, é a pedra de Luzia, encantada. Salvo se a comadre descobrir nela novo destino.
In ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos Plausíveis. José Olympio, Rio: 1981
Ps 1.De plausível =…no sentido de tudo neste mundo, e talvez em outros, é crível, provável, verossímil. Todos os dias a imaginação humana confere seus limites, e conclui que a realidade ainda é maior do que ela. (Carlos Drummond de Andrade, na abertura do livro).
Ps 2. No Mundo Nosso – Dona Luzia existiu, sim. E trabalhou como copeira e cozinheira na casa do poeta. Além de Contos Plausíveis, ela aparece também como personagem em A Bolsa e& A Vida. Entre os familiares mossoroenses de Dona Luzia e que podem confirmar a convivência amistosa entre ela e o poeta, cito as ex-rainhas do Carnaval de Mossoró, Luisa e Fátima Oliveira. Os contos, hoje reunidos em livros, mas anteriormente matéria dominical do Caderno B, do Jornal do Brasil, no final dos anos 70, já haviam sido tratados antes pelo jornais de Mossoró (publicados no Caderno 2, da Gazeta do Oeste, nos idos de 80, e matéria jornalística, com depoimentos de familiares, inclusive, no O Mossoroense – veja matéria neste blog) //aluisiobarros.blogspot.com/