• Repet - material para campanha eleitoral - 16 de maio de 2024
domingo - 20/07/2014 - 08:33h

É problema de junta?

Por François Silvestre

Passada a decepção da Copa, que teve o condão de desmascarar farsantes e espertos, todo mundo tem uma sugestão.

Os especialistas, que vão de comentaristas, técnicos e pitaqueiros, todo mundo tem uma fórmula. E olhe que a grande maioria, desses que estão apontando caminho novo, dava como certa a vitória final do Brasil.

Apareceu uma fórmula mágica, saída da lâmpada de Aladim, nesse universo de gênios. “É preciso contratar um técnico de fora”. Ora, Felipão já foi herói. Mas o problema não é ele nem essa ou aquela pessoa. É um problema quase crônico da vida nacional, que esbarra fundamentalmente na deseducação.

Deseducação aqui dita nada tem a ver com etiqueta ou maneirismo no trato. Não. É falta mesmo de instrução, política educacional de base, ensino médio medíocre, ensino superior voltado para o mercado e não para a edificação cultural ou aprimoramento de pesquisas.

Fosse diferente seria fácil. Bastaria encarregar o portador que vai buscar o técnico de fora para trazer também uma CBF de fora. Aproveitar e trazer um Ministério dos Esportes de fora. Ou melhor, trazer logo um governo completo de fora. E pra não perder a viagem, pôr na bagagem uma oposição de fora. De contrapeso, trazer também uma mídia de fora.

Isso me faz lembrar de uma anedota de carro velho. O dono do carro, de tanto sofrer, procurou o melhor mecânico da cidade. Após examinar o veículo, o perito informou: “O problema é de junta”. O dono do veículo quis saber: “Qual delas e o que devo fazer”? Aí o mecânico respondeu: “Como lhe disse, o problema é de junta. Junta tudo e joga fora”.

Brincadeira e exageros à parte, o Brasil é um excelente país. E tudo que aí está não é só culpa de quem faz parte do mando e do desmando. Nós, os brasileiros comuns, somos os responsáveis por tudo isso.

O Governo é resultado da nossa escolha. A oposição é fruto do nosso consentimento. A mídia é filha da nossa audiência. Votamos majoritariamente nos que mandam. Votamos minoritariamente nos que se opõem e damos, com nossa audiência, poder de patrocínio ao universo midiático.

Portanto, a junta mais desgastada desse calhambeque somos nós.

Ainda não há um povo brasileiro. Não se faz um povo com menos de mil anos. Somos um pré-povo, assim como universalmente somos uma pré-humanidade. O Brasil comporta no seu território um povo em formação, cuja fornalha de feitura tem pouco mais de trezentos anos.

Da lição de Darcy Ribeiro aprendemos que essa formação tem tudo para dar certo. É só uma questão de tempo e querer. Só que o tempo ainda é pouco e o querer quase nenhum.

Mas o resultado dessa miscigenação fantástica está condenado ao acerto, mesmo sem o argumento do determinismo histórico. É que essa mistura resulta da naturalidade do índio, da tecnologia do europeu e da espiritualidade do africano.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Portalnoar.

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    O nosso grande François Silvestre, como sempre nos brindado com sua sábia, peculiar e benfazeja escrita que mais parece latente voz a nos avisar, que, de maneira nenhuma estamos perdidos, na verdade o que nos falta à todos nós brasileiros, é gradativamente desatar os noz do paulatino processo histórico que nos comporta e nos abriga em sua origem e formação.

    Mas. claro, isso leva tempo, tempo de séculos e séculos …amém!

    Tempo que grande parte dos países europeus, já vivenciaram sob o signo de belos acontecimentos, e, também sob o estigma das contradições sociais, culturais, religiosas e políticas, assim como de um sem número de guerras que durante séculos permearam o tempo e o espaço das nações em sua formação, nações essas que atualmente compreendem o espaço geográfico, político e temporal da atual União europeia.

    Como muito bem afirmado pelo articulista ao lembrar do nosso grande e saudoso Darcy Ribeiro, somos, de fato, adolescentes à procura do inefável e miraculoso porvir de uma nação única, uma nova Roma, lavada em sangue negro e sangue índio, destinada a criar uma esplêndida civilização, mestiça e tropical, mais alegre, porque mais sofrida, e melhor, porque assentada na mais bela província da Terra.

    Sobre Darci Ribeiro, peço Vênia ao articulista e demais Web-leitores, para transcrever comentário de Braúlio Tavares, acerca do latente e benfazejo poeta surgido nos últimos dias de vida do mais famoso antropólogo e guerreiro da educação Brasileira e de brasilidade, Sr. Darci Ribeiro, se não vejamos:

    Já aos 70 anos, depois de sucessivas batalhas contra o câncer, Darcy Ribeiro botou na cabeça que ia ser poeta. Já tinha sido antropólogo, educador, ministro, reitor, vice-governador, romancista… por que não poeta? Esse “por que não poeta?” só ocorreria a um sujeito com um ego fenomenal, e era o caso do autor de O Processo Civilizatório. Por sorte, o seu ego era contrabalançado pelo senso crítico de quem teve formação científica, por um senso de humor permanente, presente até em suas obras mais sisudamente teóricas, e por um espírito de auto-depreciação que, curiosamente, acompanha muitos indivíduos narcisistas. (Por mais e melhor que façam, eles sempre torcem o nariz diante dos próprios feitos, porque sua expectativa íntima é sempre de que são capazes de fazer muito mais e melhor.)
    Eros e Tânatos – a poesia de Darcy Ribeiro (Rio, Ed. Record, 1998) reúne esses poemas que são bem descritos pelo título. São meditações recorrentes e infatigáveis sobre amor, sexo e morte, escritas por um sujeito de imensa vitalidade, que, aos 70 anos e no meio da queda-de-braço final com o câncer, sabia que estava com os dias contados. (E não sabemos disso, nós todos? Não, não sabemos.) A parte erótica tem a euforia desbragada e rabelaisiana de um Henry Miller, a celebração do sexo como prazer animal, gozo físico, seja ou não temperado pelo afeto. A alegria de viver no sentido mais biológico do termo, elevada ao quadrado como reação aos violentos golpes da doença e da velhice, em versos bem-humorados de sexo explícito que infelizmente não tenho espaço para reproduzir aqui. E a morte, algo que o autor reconhece como fatalidade científica, mas com a qual não se conforma: “Hoje fiz 70 anos. Quisera 700”. “Acho que sei, afinal, a que vim / e já me vou”.

    O poema de abertura, “Fagulhas de memória”, é num certo sentido o melhor: o registro em prosa telegráfica de pequenas epifanias, terrores e visões que marcaram a memória do autor, em parágrafos como: “O cacho de bananas amarelíssimas, que meu avô tirou do armário preto de papéis cartoriais. / A velha naturalista estrangeira, meio surda, se fazendo carregar pelos índios, de aldeia em aldeia. / Uma légua de piranhas mortas, dourando a baía ao amanhecer.” Usando uma classificação pouco acadêmica, eu diria que não são poemas de poeta, são poemas de pessoa. Mais preocupados em registrar a totalidade de um sentimento profundo e complexo do que em mexer no software da linguagem poética. E não há pessoa que não assinasse versos como: “O que me arrasa é o terror pânico / de não mais ser, nem estar, jamais aí. / Vocês todos vivendo, seus filhos da puta. Só eu não”.

    Por último, aos que de fato, almejam conhecimento e compreensão do Brasil, de brasilidade e do ser brasileiro, por favor leiam Darci Ribeiro.

    Um abraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    Vim escrever o meu modesto comentário e, não bastasse a capacidade fantástica de François Silvestre, me deparo com a de Fransuêldo Vieira de Araújo . Ótimos , os dois. Então, conclui, mais vale lê-los várias vezes, do que comentá-los.

  3. carlos alberto diz:

    quem teve carro velho, sabe muito bem o que é
    junta homocinética

  4. AVELINO diz:

    Calma, pessoal!!! O DUNGA VOLTOU… Dunga que é “essa mistura resultante da naturalidade do índio, da tecnologia do europeu, da espiritualidade do africano” …e do chimarrão gaúcho!!!

  5. Neilia diz:

    Ótimo comentário!!! Admiro muito François Silvestre. Escreve muito bem! Conheço sua família de Martins minha e são todos super inteligentes!…

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.