Por Marcelo Alves
O direito está mais intimamente ligado à linguagem do que ousa imaginar a nossa vã filosofia. Nós, os juristas, trabalhamos simbioticamente com a linguagem. E, em princípio, tendo por base a mesma linguagem comum ao homem médio.
Mas essa linguagem “comum” dos homens, independentemente do idioma que se utilize, é um veículo imperfeito para a expressão segura dos conceitos jurídicos. Por isso, assim como os médicos, os filósofos, os economistas etc. desenvolveram um vocabulário próprio, os juristas também o fizeram (ou tentam fazer). Afinal, toda ciência/arte precisa de uma linguagem técnica própria.
É verdade que essa linguagem técnica dos juristas é muitas vezes cafonamente distorcida. Vira o famoso e odiado “vocabulário empolado dos juristas”, o “juridiquês”, complicado não só para os leigos, mas também, em grande medida, para nós, supostos juristas.
De toda sorte, mesmo correndo o risco de ser mal compreendido, hoje vou fazer uma defesa do juridiquês, digamos assim, moderado. Até porque acredito ser um dos grandes desafios do jurista contemporâneo (falo aqui do jurista de verdade) estudar e trabalhar melhor sua linguagem.
André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria do Advogado Editora em 2008), embora o fazendo com propósitos diversos dos nossos, apontam algumas características da linguagem/discurso jurídico. Essas características estão intimamente relacionadas ao caráter e aos objetivos próprios desse discurso.
Enquanto a linguagem comum é em grande medida informal, emotiva e dinâmica, o discurso jurídico busca a abstração e a generalidade, a convenção e a clareza, o comando e a segurança, a padronização dos seus conceitos e dos seus sujeitos.
De fato, o direito e o seu discurso – e isso vale muito para um país filiado à tradição romano-germânica, como é o nosso – trabalham sobremaneira com a abstração e a generalidade como características fundamentais dos códigos e das leis.
O discurso jurídico organiza a realidade através de fórmulas e procedimentos preestabelecidos, com um conjunto de significações já convencionadas, formando um sistema quase fechado, com direcionamentos, obrigações e interdições linguísticas e vocabulárias bem claras. “Intimem-se”, “não provimento”, competência, ação, parte, recurso, sentença, acórdão etc., para ficar apenas no direito processual, são alguns dos muitíssimos exemplos de fórmulas e termos jurídicos com significações já previamente convencionadas e de usos recomendados.
E do texto jurídico espera-se sobretudo um comando claro, íntegro e coerente (não podemos viver de embargos de declaração), seja ele uma decisão, uma ordem, uma interdição, uma sanção, uma medida justa, um mandado ou um mandato e por aí vai.
Ademais, nas palavras de André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, “a função do direito é estabilizar as expectativas sociais, em busca da segurança jurídica”, o que requer, na medida do possível, a “perenização” do tempo e das coisas, o aprisionamento dos sentidos e o extermínio das emoções e dos afetos no texto jurídico.
Por fim, conforme ensinam os recitados André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, é próprio e esperado do discurso jurídico produzir/normatizar os seus diversos sujeitos/personagens – bem como investir as pessoas nos papéis normatizados, concedendo-lhes os direitos e os deveres convencionados –, cujos estatutos modelares devem servir como padrão das condutas no foro/lides jurídicas e como arquétipos esperados dos indivíduos na vida em sociedade. Aí temos tanto o juiz, o promotor, o advogado, o policial, como o pai de família, o administrador público, o comerciante, o empregado, o comprador e por aí vai, numa lista de necessários personagens/sujeitos jurídicos, linguisticamente padronizados, impossível de terminar.
Bom, para atender a tudo isso, então, viva a um moderado juridiquês!
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
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