Por Marcelo Alves
“Os hotéis literários: viagem ao redor da terra” (“Hôtels littéraires: voyage autour de la terre”), de Nathalie H. de Saint Phalle, é um livro interessantíssimo. Sobretudo para quem é fã de dois prazeres da vida: viagens e livros. Pode ser classificado tanto como um guia de turismo literário ou como literatura de viagem, dois nichos que, antes da pandemia, vinham ganhando mais admiradores. E há uma coisa especial nele: faz dos estabelecimentos que arrola cenário e também personagem de gozos e dramas, fictícios ou reais, de gigantes das letras mundiais.
A nota à edição brasileira (Editora Senac, 2012) resume o objetivo da obra: “Este livro não trata apenas de destinos turísticos, mas versa, principalmente, sobre destinos pessoais. Ao inventariar os hotéis, pousadas e outros locais de hospedagem retratados em romances de diversas épocas, Nathalie H. de Saint Phalle recupera o drama de personagens colocadas em situações nas quais suas emoções e seus sentimentos afloram de maneira intensa. Mas, para além delas – e aí reside o especial interesse de Hotéis Literários –, revela as hesitações, buscas e paixões de seus criadores: escritores e artistas que se lançaram, mais do que a experiências de criação, à busca de novas perspectivas de vida”.
Da imensa lista de estabelecimentos de “Os hotéis literários”, destaco dois do meu desejo: o Savoy, em Londres, que fica na Strand, a rua do King’s College London, onde fiz o meu PhD. Assisti ao musical “Legally Blonde” no seu teatro, lembro-me bem. Já tomei chá no seu salão e imaginei-me personagem de Agatha Christie. Mas nunca ali me hospedei. Quem sabe de uma próxima vez na Terra da Rainha?
Já em Paris, o meu querer é o Hotel Lutétia, à esquerda do Sena, margem de minha preferência. Fica no Boulevard Raspail, o mesmo da Alliance Française Paris, que relembro com saudade. O Lutétia recebeu, nas suas camas ou no seu bar, Rilke, Gide, Joyce, Beckett, Heinrich Mann e mais uma multidão de escritores refugiados. Está reformado. Pernoitando, sonharia ajudando a expulsar os malditos nazistas de lá.
Todavia, estes dias, topei com um turismo que considerei até mais sugestivo. Foi através do artigo “Bookish Hotels & BnB’s Around the World For Your Next Getaway” (“Hotéis e pousadas livrescas pelo mundo para a sua próxima escapada”), de Courtney Rodgers, publicado no site Book Riot. Ele sugere: “Passaporte, mala e sobretudo mais livros do que dias em sua viagem? Para onde você está indo nas suas próximas férias ou escapada de fim de semana? Estes hotéis e pousadas têm decoração inspirada em escritores, muitos livros e diversão literária, para você dormir em grande estilo. Arrume suas malas!”.
Eu gostei de um tal Rivertown Inn, em Minnesota, EUA. Uma mansão do século 19, onde cada quarto é dedicado a um escritor diferente. Para Arthur Conan Doyle, temos a suíte da Londres vitoriana; para Agatha Christie, um quarto saído das páginas de “Murder on the Orient Express”. Tem-se Lewis Carrol, Jane Austen, Lord Byron e por aí vai. Já em Tóquio, Japão, gostei do Book and Bed, mistura de livraria e pousada. Quer melhor? Teria ficado lá nas Olimpíadas. Como “levantador de livros”.
Curiosamente, o artigo não fala no hotel “livresco” que afirmo a minha tentação: o Library Hotel, em Nova Iorque. Pelo que consta de “Novel Destinations: Literary Landmarks from Jane Austen’s Bath to Ernest Hemingway’s Key West” (National Geographic Society, 2009), de Shannon McKenna Schmidt e Joni Rendon, vocês podem ter uma ideia do dito cujo: a uma quadra da New York Public Library, este hotel de Manhattan abriga mais de 6 mil volumes.
Além do lobby tomado de livros, do chão ao teto, “cada um dos dez andares de quartos são devotados a diferentes saberes, entre eles história, filosofia e artes”. Os quartos, claro, estão cheios de livros da respectiva temática. Em tudo fantástico!
Na verdade, eu já tive a oportunidade, anos atrás, de quedar-me no “hotel da biblioteca”. Mas estava caro, achei. De toda sorte, acredito que as condições sanitárias e uma promoção me permitirão pernoitar um dia lá. Oxalá logo. Sem drama e muito gozo e leitura incluídas.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Excelente Crônica, Marcelo Alves Dias de Souza. Todo o tempo vi minha filha Fernanda, leitora contumaz, no espaço de suas linhas.