Por Marcelo Alves
No que toca à quantidade de “cafés literários”, nenhuma cidade bate Paris. Se Viena nos deu o modelo das cafeterias europeias, foi Paris que emprestou o glamour e a fama mundial. São muitíssimos os estabelecimentos. De ontem, já idos, e de hoje, ainda fervilhando.
Interessantemente, como observa Antonio Bonet Correa em “Los cafés históricos” (Ediciones Cátedra, 2014), “a geografia histórica dos cafés parisienses tem uma estreita relação com o desenvolvimento urbano da capital francesa. Primeiro, no século XVIII, os cafés mais concorridos se encontravam no Bairro Latino, circa da Sorbonne, entre o Odéon e a Praça de Saint-Germain-des-Prés. Depois, antes da Revolução Francesa e durante o Romantismo, o ponto de gravidade dos cafés se mudou para o Palais-Royal, na margem direita do Sena”.
Já com Napoleão III e a reestruturação urbana do Barão Haussmann, “foram os grandes bulevares que contaram com os cafés mais frequentados por um público desejoso de desfrutar os benefícios da prosperidade econômica”. E, depois, já para o fim de século XIX, vem a época da livre e boêmia Montmartre, para além da Praça Pigalle, em cabarets e cafés, abaixo e acima do famoso monte.
Embora às vezes deseje voltar no tempo, à Paris dos anos 1920 ou da Belle Époque, vivo a minha era. É dela, dos cafés de hoje, que falarei. E, para nos poupar tempo, faço uso da lista de cafés elaborada por Noël Riley Fitch em “The Grand Literary Cafés of Europe” (New Holland Publishers, 2007): Café de la Paix, Le Fouquet’s, La Closerie de Lilas, Café du Dôme, La Coupole, Le Sélect, Le Procope, Les Deux-Magots, Café de Flore e Brasserie Lipp.
Das casas relacionadas apenas o Café de la Paix e Le Fouquet’s ficam na Rive Droit (metade norte de Paris). Le Fouquet’s fica na Avenue des Champs-Elysées. Mais badalado impossível. Quem já turistou por lá, se não o conheceu por dentro, pelo menos passou na porta. Já o Café de la Paix fica nas orelhas da Opéra Garnier. É um sobrevivente naquele que foi o coração da “cultura dos cafés” parisienses no século XIX.
Por uma época, ali estiveram, todos juntos e misturados, o Café de Paris, o Tortoni’s, a Maison Dorée, o Café Riche e o Café Anglais, estabelecimentos retratados na ficção dos seus habitués Balzac, Flaubert, Maupassant e Henry James. A lista de clientes célebres é infinita. Fui ao Café de la Paix umas poucas vezes. Quem vai à Opéra deve tomar um trago por lá. Pena que é caro.
Já na Rive Gauche (margem esquerda), temos dois núcleos muito definidos de “cafés literários”. O do Boulevard Montparnasse, onde estão, disputando espaço e clientes, La Closerie de Lilas, Café du Dôme, La Coupole e Le Sélect. São vistosos. Conhecidíssimos. Pontos de referência da cidade. Mas Scott Fitzgerald e Hemingway se perderam por lá. As personagens deste também. Eu mais encontrei do que me perdi, se é que me faço entender.
Contudo, em Paris, a minha “praia” é Saint-Germain-des-Prés, onde fica o segundo point das cafeterias da Rive Gauche. Morei no Bairro e hospedo-me lá se posso. Amalgamado ao Quartier Latin, bairro da Sorbonne e de mil livrarias, é onde amo flanar. Em Saint-Germain está “Le Procope”, dito o primeiro café-glacier de Paris, que, pela vizinhança com a Comédie-Française, ganhou fama na sociedade e intelectualidade locais. Virou moda entre ocupados e desocupados (dá para imaginar a quantidade de “artistas” por lá). Mas é no Boulevard Saint-Germain que ficam talvez os mais famosos cafés parisienses: Café de Flore e Les Deux Magots, colados, com a Brasserie Lipp em frente. Era casa de surrealistas e existencialistas, dentre estes Sartre e Simone de Beauvoir os mais badalados. Eu morava pertinho, na Rue Madame. Baixei muito lá, pagando de intelectual e boêmio. Não sou de ferro.
Eu tenho os cafés parisienses como uma das principais atrações da Cidade Luz. Posso até dizer, correndo o risco de parecer hedonista, que eles, para mim, andam de par com as livrarias em termos de prazer sensual. Aqui estou com Balzac, que, no seu “Traité des excitants modernes”, via na cafeína, tomada em abundância quando ele escrevia, um poder “eletrificante”. Imaginem, então, essa danada sorvida em meio a livros e damas parisienses.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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