• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 06/06/2021 - 13:08h

Éramos felizes!

praia, litoral, areia da praia, beira-marPor Odemirton Filho 

Acordávamos pertinho das cinco horas da manhã, os raios de sol começavam a lumiar o dia. Eu levantava-me com uma preguiça danada, mas não podia perder a “aventura”. Os meus primos mais velhos iam pegar passarinhos em Tibau. Menino inventa qualquer motivo para sair de casa e ficar brincando pelas ruas, nas casas dos familiares e vizinhos.

Chegando ao local escolhido, meus primos armavam o alçapão. Ficávamos à espreita. Aqui ou acolá conseguíamos pegar um cabeça-vermelha, um Golinha, um Azulão ou, o pássaro mais cobiçado, uma Graúna. Às vezes não conseguíamos. Uma tristeza. Não tínhamos medo da Polícia. No outro dia estávamos lá, de novo, cometendo mais um crime ambiental. Éramos crianças. Não existia o Estatuto da Criança e do adolescente, nem pensávamos nisso.

Outras vezes, ainda no arrebol, íamos à praia. Cavávamos um buraco na areia e colocávamos os caranguejos para brigar. Depois, tomávamos banho de mar. A água gelada doía nos couros. Também gostávamos de ir pescar lá na pedra do chapéu ou apanhar búzios. Ficávamos “tostando no sol” boa parte da manhã, grudentos de sal e areia. Jogávamos bola, muita bola. De vez em quando um menino pisava no ferrão de um bagre. Era uma dor dos diabos.

Houve uma época na qual a moda dos meninos era andar de jumento na cidade pra lá e pra cá. Como não tinha habilidade para “laçar” algum jumento na rua, meu pai comprou um para mim. Eu andava puxando o bichinho, como se fosse um cachorro. Minha alegria durou pouco, pois o arisco do jumento fugiu. Contentei-me, então, em brincar com os cachorros da casa.

À tardinha íamos ao morro do labirinto, brincar de esconde-esconde e jogar pedras de areia uns nos outros. Pense numa brincadeira sadia? Um bocado de primos, sujos e suados. Ficávamos por lá até a boquinha da noite e depois íamos à “casa do morro”, como chamávamos a casa dos nossos avós. Comíamos pão, molhando na sopa. Quanta saudade de vó Placinda e Vô Vivaldo.

Quando em vez íamos ver as jangadas, com suas velas brancas, retornando do alto-mar. Achava bacana a jangada deslizando lentamente sobre as águas, até bater na areia da praia. Na maioria das vezes trazia uma ruma de peixes, fresquinhos. Algumas pessoas compravam, ali mesmo, os peixes de seu agrado. Também ali, na beira do mar, conheci o velho pescador Tidó.

Às vezes, depois de lavarmos o alpendre lá de casa, ficávamos deitados no chão frio, conversando “conversas de criança”, e comendo a polpa dos cocos tirados do nosso quintal. Esperávamos o bolo de leite ou fofo sair do forno, quentinho, quentinho. Era a paga pelo nosso trabalho. E, claro, aguardávamos o menino passar na rua vendendo grude. Sempre havia um café fumegante, preparado por nossa querida Socorro. Eu tomava era leite Alimba com achocolatado.

Gostava de ir comprar umas revistas em quadrinhos num prédio localizado na rua principal, próximo ao restaurante Brisa. Às vezes ia fazer uma ligação no Posto da Telern para o meu pai em Mossoró, a fim de que trouxesse alguma coisa que minha mãe pedia. Há alguns anos as ruas de Tibau não eram calçadas. Andávamos com os pés descalços. Uma camisa e um calção “surrados” estavam de bom tamanho. Conhecíamos cada rua, cada viela, cada beco da cidade.

À noite, no alpendre, deitávamos nas redes. Os mais velhos gostavam de contar histórias mal-assombradas. Quase sempre faltava energia, eu me agarrava com um lençol velho, cheirando a guardado. As mãos ficavam geladas e os olhos arregalados. Assistir à televisão era peleja medonha. Colocávamos um pedaço de Bombril na antena para melhorar a imagem, pois o sinal de transmissão não era lá essas coisas. Não, não existia antena parabólica, gentil leitora.

Eu ficava ansioso pelo final de semana para que o meu pai nos levasse à praia, para passear no seu Jipe azul. Sentíamos o cheiro da maresia e a brisa batendo no rosto. Quando tinha alguma bebedeira no alpendre da minha casa ouvia o meu pai cantar “O Calhambeque”, de Roberto Carlos, acompanhado pelo violão do meu saudoso tio Albeci, da Banda Bárbaros. Ainda hoje, graças a Deus, tenho o privilégio de, aqui ou ali, ouvir o meu velho pai soltar a voz, cantando a sua música preferida.

Eu vejo-me, caro leitor, pela praia, açodado, com dinheiro na mão para comprar um picolé, mergulhando no mar, fazendo um castelo de areia ou deitado em uma pocinha d’água. Ainda tenho, como lembrança daquele tempo, uma cicatriz no pé, fruto de um corte, quando brincava na areia “pegando fogo”. Nem ligava. O importante era brincar, brincar, brincar…

Enfim.

Foram doces momentos. Momentos de uma família como qualquer outra, com virtudes e defeitos. Eram as “curtições” das nossas férias. Crianças que brincavam, aprontavam, levavam umas chineladas, choravam e sorriam. São retalhos de um tempo recheado de saudades.

Ah, como éramos felizes. E não sabíamos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

P.S. – Perdemos Paulo Menezes (veja AQUI e AQUI) e as suas belas crônicas, simples e verdadeiras. Infelizmente, não deu tempo tomarmos um café e prosear. As abelhas, certamente, levaram a sua alma para o céu. Enquanto Deus nos permitir, Paulo, continuaremos por aqui escrevendo crônicas, que são frutos d’alma.

O nosso time ficou desfalcado. Perdemos um excelente esgrimista das palavras. “O Nosso Blog” sentirá a sua falta. Muita.

Como sei de sua paixão por Tibau, Paulo, a crônica de hoje é em sua homenagem. Deus o acolha. Eternamente.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Éramos felizes e não
    sabíamos, já perdi a conta de quantas vezes ouvi esta frase tão verdadeira, e sempre de pessoas já amadurecidas e que conseguiram usufruir de bons momentos nas décadas de 70, 80 e meados de 90, realmente um tempo pretérito que oportunizou uma geração de crianças e jovens a se preparem para um futuro promissor, naquelaépoca não existia telefone celular, eram todos com linhas fixas, e em Tibau muitos aparelhos era na base da manivela, mais no posto da TELERN que era chefiado pela telefonista Zeneide, já tinha o aparelho com disco, ela fazia a ligação e mandava a pessoa ir pra cabine com porta fechada falar com a pessoa que atendia do outro lado da linha; segredos a gente tinha que falar en voz baixa, se não toda Tibau tomava conhecimento, enfim a TELERN de Tibau chegou a gerar muitos comentários e intrigas também, mais fazia parte do nosso acalorado e sádio veraneio tão diferente dos hoje vivido e contado por fotos e notícias ao vivo transmitidos não pelas ondas do mar, mais sim pelas ondas de celulares alimentados pela internet.
    Os pássaros caçados pela turma de Odemirton, ja não mais ouvimos ou vemos.
    A Tibau amada por Paulo Menezes, que Jesus chamou no dia de ontem para residir com ele mo céu, não é mais a mesma que conhecermos na nossa infância e juventude, mesmo assim é a nossa preferida praia da Costa Branca.
    Caro Odemirton, como sempre, sua crônica estar irretocável!!👍🤝👏👏

    • Odemirton Filho diz:

      Pois é, meu caro Rocha. Sempre é bom relembrar um
      passado que nos faz falta. Momentos idos e vividos, felizes.
      Cada época da vida tem seus encantos, sobretudo, a infância.

      Valeu!

  2. Inácio Augusto de Almeida diz:

    O mais encantador nas crônicas do Odemirton Filho é a simplicidade. Longe dos textos rebuscados e usando uma linguagem coloquial, o cronista nos arrasta para dentro da máquina do tempo e nos entrega uma Tibau encantadora. E mais ainda, lembra-nos da convivência familiar que existia na época em que éramos felizes e desfrutávamos da feliciidade de forma plena, total e sem nenhuma outra preocupação fora ser feliz e fazer os amigos sentirem-se mais felizes.
    Já fico no aguardo da crônica de domingo.

    • Odemirton Filho diz:

      Meu querido amigo e professor, Inácio. Seus comentários são sempre bem vindos. Ajuda-me a melhorar e me incentiva a sempre melhorar.
      Seus textos fazem falta. Para mim é sempre uma aula.
      Forte abraço, mestre.

    • François Silvestre diz:

      Verdade, Inácio. Mas você deveria, pois deve a nós, também pôr em forma de crônica ou artigo, suas ideias e opiniões. Seu texto está nesse mesmo estilo que você tão bem definiu o texto de Odemirton. Os dois são craques.

      • Odemirton Filho diz:

        Isso mesmo, mestre François Silvestre, Inácio nos deve
        esses textos e crônicas. Escreve que é uma beleza.
        Abração!

        • Inácio Augusto de Almeida diz:

          Bondade de vocês.
          Não consigo, artrose, passar mais de 15 minutos sentados. Escrevo deitado digitando no WHATSAPP.
          Já perdi muitos textos ao tentar fazer uma correção. Coisa de quem tem um aparelho baixa renda.
          Vou tentar colocar, aos domingos, algumas mal traçadas linhas no Pensando Bem.
          Mal traçadas linhas ķkkkkkkk
          Lembrei-me de minha querida vovó Tila. Outro dia sonhei recebendo uma carta dela.
          Meu querido netinho
          Escrevo estas mal traçadas linhas para informar que a vida aqui é muito mobótona. O homem que toca a harpa não muda a música e já fui avisada que sempre será este mesmo blémblém que terei de ouvir eternamente.
          O lago de águas límpidas, cercado de grama e flores é belo. Mas, meu netinho, ver sempre a mesma coisa cansa. Já falei que ninguém consegue ser feliz vivendo desta maneira.
          Ás vezes sinto saudades do forró da Gorete. Foi na Gorete que conheci Feliciano, seu avó.
          Beijos da sua avó
          Clotilde.
          Esta minha avó Tila…
          Tá sentindo falta é do mel de abelha que vovô não deixava faltar.
          Quantas saudades, querida vozinha. E obrigado pelo aviso de que a coisa áí é enfadonha.
          Tão logo consiga falar com o Pe. Sátiro, um santo que vive no meio dos pecadores tentando salvar alguns, levarei a sua reivindicação.
          E neste meu jeitão bem aberto, direi ao Pe.Sátiro que, se o céu é o descrito na sua carta, vovó, não há necessidade de inferno.
          Olhar sempre a mesma coisa e ouvir sempre a mesama música torna o o castigo de Sísifo brincadeira de moleque que fica pegando caranguejos na praia de Tibau…

  3. Antonio Agnaldo De Freitas diz:

    Me senti dentro deste contexto, em fração de minutos revivi minha infância, não na linda praia de Tibau, nas barreiras do Rio Mossoró, mais precisamente na zona rural de governador, sítio camurim. Como era bom tomar banho no rio, hoje não vemos mais isso. As crianças de hoje são órfãs destas maravilhas.

  4. VICTOR HUGO PEDRAÇA Dias diz:

    O texto me recordou as férias em Tibau, férias essa que nossos descendentes não terão pois estão imersos nos aparelhos celulares, tablets,x Boxes e paredões. Tempo lindo que outrora vivemos.

    #paulomenezespresente

  5. Rafael Galvão diz:

    Que texto feliz, meu caro! Me senti em Tibau, iniciando os anos 90, na varanda da casa da minha Tia Ozanice, próximo ao “Arrombado”.

  6. Angelo Lima diz:

    Odemirton, seu texto é de uma sensibilidade ímpar.
    Quando possível, escreva algo sobre os bons tempos da praça do Codó e da Igreja de São Vicente, bons tempos àqueles.

    • Odemirton Filho diz:

      Valeu, Ângelo. Realmente a praça do Codó e a Igreja de
      São Vicente guardam bons momentos.

      Qualquer dia, vamos tentar resgatar.

      Fique bem.

  7. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Senti o cheiro do mar. Bateu saudade de minha infância e adolescência em Tibau, de todos da família e da criançada que corria comigo nos morros. Ótimos e inesquecíveis tempos. Parabéns, Prof.Odemirton.

  8. Gledson diz:

    Muito bom seu texto . Faz relembrar o passado de forma leve . Me vi menino também lá em Tibau . Parabéns

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