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domingo - 29/08/2021 - 07:50h

Estórias filosóficas

Por Marcelo Alves

Possuo um livro, “O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes” (Editora Rocco, 2006), de Julio Cabrera, que nos dá uma ideia fantástica: aprender a quase sempre árida filosofia pela quase sempre lúdica sétima arte. E outro dia dei de cara com uma publicação do Book Riot, site especializado em livros e literatura, que propõe coisa semelhante: conhecer a filosofia por meio da literatura ficcional. O título do texto é “20 Great Works of Philosophical Fiction”, de facílima tradução para o nosso bom português.

Mas o que danado é essa tal “ficção filosófica”? O texto referido dá sua resposta. E eu penso parecido, com algumas nuanças. Reconheço que muitas obras ficcionais tratam de temas filosóficos. Personagens discutem ideias; narradores dão os seus pontos de vista sobre os problemas do mundo. Mas esse “filosofar”, na maioria das narrativas, é mais implícito do que explícito. Mais periférico do que central. E não intencional para fins de reflexão do leitor. Podemos ter aqui uma questão de grau, admito. De círculos, posso dizer.filosofia-e-negócios Quanto mais próximos de um “centro” filosófico, mais filosófica a obra é. Aliás, o mesmo se dá com a ficção jurídica, assunto de minha paixão. Mas temos de fazer um corte, para fins de classificação, já que seria possível enxergar em qualquer ficção algo de filosófico ou jurídico (a filosofia e o direito estão em quase tudo), por minimamente que seja. Basicamente, “ficção filosófica” é a ficção que trata da filosofia de forma direta, como um dos seus temas principais, quiçá o principal. A filosofia está em primeiro plano, pelo centro da trama, sendo sobretudo intenção do autor fazer o leitor refletir e discutir as grandes questões da vida.

Essa abordagem proposital pode ter como foco qualquer dos ramos da filosofia: a metafísica, a epistemologia, a lógica, a estética, a ética, a filosofia da religião, a filosofia política e por aí vai. Até a filosofia jurídica, que podemos entender como uma subespécie da filosofia política ou algo a ser tratado autonomamente. A ficção filosófica enrosca essas temáticas nas ferramentas da ficção – enredo, cenário, idas e vindas da cronologia, múltiplos personagens etc. –, tornando o assunto mais acessível, multifacetado e lúdico.

Da lista de vinte livros do Book Riot, vou mencionar apenas alguns títulos para ilustrar a problemática. Registro que tanto a lista do site especializado como as minhas escolhas são movidas por pré-conceitos e estão longe de serem exaustivas.

Começo por “Frankenstein” (1818), de Mary Shelley (1797-1851). Victor Frankenstein “cria” um ser vivo em seu laboratório. Mas as coisas não saem como ele imaginava. E ele tem de lidar com as consequências. Este romance gótico é tido como pioneiro da ficção científica. Mas ele é muito mais do que isso. É sobretudo uma profunda discussão filosófica sobre ambição, criatividade, ciência, educação, paternidade, natureza, humanidade, vida e morte.

Por falar em vida e morte, cito “O Nome da Rosa” (1980), de Umberto Eco (1932-2016). Aqui a trama está ambientada numa abadia medieval. Seguindo a veia dos romances policiais, os protagonistas Guilherme de Baskerville e Adso de Melk investigam as mortes de sete monges em circunstâncias extraordinárias. Entretanto, “O Nome da Rosa” não é só uma estória de crimes. Ele é um estudo do período medieval, sobretudo da vida religiosa no século XIV e das ideologias – heréticas ou não – no seio da Igreja de então. E é também uma estória sobre livros e sobre o poder infinito das palavras. Registro: talvez este seja o meu romance preferido. Afinal, sempre fui um apaixonado pelos nomes e pelas rosas.

Por fim, menciono “O Mundo de Sofia” (1991), de Jostein Gaarder (1952-), que não esconde sua intenção de ser um “romance filosófico”. É uma história da filosofia contada por meio da ficção. A Sofia do título, de quatorze anos, recebe mensagens misteriosas pelo correio. Do tipo: “Quem é você?” e “De onde vem o mundo?”. As mensagens se sucedem. Entramos num curso de filosofia por correspondência: sua história, seus principais protagonistas e suas ideias.

Bom, tudo isso, seja através de criaturas, de nomes ou da imaginação adolescente, é muitíssimo lúdico e educativo. E recomendo deveras!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Amorim diz:

    Bom dia caro Marcelo, li muito quando estudante, hoje sou aficionado a setima arte e músicas.
    Filmes de ficção cientifica mais antigos, são realidade de hoje.
    É todos os filmes trazem uma mensagem filosófica profunda.
    Um abraçaço.

  2. Amorim diz:

    Sou pernambucano de origem, açuense de criação e mossoroense por adoção.
    Pois bem, ontem me deu uma saudade medonha do meu Recife, onde me formei. Saudade da rica cultura,,do frevo e maracatus. Das ladeiras de Olinda que desapareciam durante os dias Momo.
    Fui reler sobre sua história, principalmente sobre músicas e em especial sobre os ritimos do frevo. Procurando no aplicativo de músicas, encontrei um coleção de músicas ( que o pessoal do halloween chama de playlist) cujo o título é ” Meu País Pernambuco” , com cerca de 10 horas de duração.
    Entre várias pérolas vai essa.
    Se Zé Limeira Sambasse
    Maracatu.
    Mestre Ambrosio.

    Vi Zé limeira descendo do firmamento
    Bis
    Um batalhão de jumento
    Vinha tocando corneta
    Mais de cem anjos perneta
    Celebrando casamento

    Vem pra fazer negócio de confiança
    Bis

    Prá ver pesar na balança
    Cinco véi num dá um quilo
    Mais de cem grama de grilo
    No bucho de uma criança

    Se Zé Limeira sambasse maracatu
    Bis

    Escuta o que digo a tu
    Era rato, cobra e gia
    Sapo, ticaca e cutia

    Se Ze Limeira sambasse maracatu
    Bis
    Cor de jumento era azul
    Tinha juizo macaco
    Veneno, cume de rato
    Tinha chifre gabiru

    É Zé Limeira pra prefeito eu vou votar
    Bis
    Bota uma lei pra lascar
    Nem real e nem cruzeiro
    Bota bosta por dinheiro
    Para ver povo enricar.

    Um abraçaço a todos.

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