domingo - 07/04/2013 - 06:56h

Impressões sobre o Velho Mundo

Por Honório de Medeiros

Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal? Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, vai se transformar em revolta – mesmo no Brasil, covarde, atoleimado – e muita desgraça acontecerá.

Nossa guia Tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: “vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão”.

Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.

A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: “esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento”.

O guia português, extremamente formal – usava o Vós majestático de quando em vez – era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, de uma forma mais geral.

E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos mostrou sua vertente irônica: ” este é o segundo maior circo do País.”

– Qual é o primeiro – perguntei.

“O Parlamento”, apontou.

Perceba que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predadores esfaimados ante o patrimônio público, e o resto do povo.

Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação, é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante.

Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras…

……

Eva Ruth (1939-1944)

Chorei por você, Eva Ruth, em frente ao mármore que continha seu nome, e que chamou meu olhar, dentre mais de oitenta mil outros, naquela manhã fria, em Praga, no monumento que os homens ergueram, ao lado da Sinagoga da cidade, para homenagear as vítimas judias tchecas do horror nazista.

Que alegrias você teve, ao longo de sua curta vida, me perguntei naquele momento, ao longo dos cinco anos e pouco que lhe permitiram viver? Que sorrisos, brincadeiras, carinhos, lhe prepararam para a tortura que viria? Que sonhos, canções, alegrias, confortaram seus dias finais, quando a noite chegava e o horror, por instantes, era esquecido? Ou somente pesadelos envolviam seus famintos e esquálidos braços infantis?

Nunca saberei.

Mas chorei por você, em Praga, Eva Ruth, nascida em 18 de março de 1939 e morta em 9 de outubro de 1944, ao me perguntar se seu corpo frágil sucumbira às doenças ou à câmara de gaz. Se sucumbiu às doenças, Eva Ruth, em nada sua morte difere de tantas e tantas outras que acontecem diariamente no Brasil, na África, no mundo.

Acredite, Eva Ruth, os governos dos homens continuam a trocar a vida das crianças, dos idosos, dos excluídos, por propaganda na qual se vangloriam do que não fizeram, do que fizeram mal, do que não pretendem fazer; por obras desnecessárias; por fausto e privilégios…

Chorei por você em Praga, Eva Ruth, ao me lembrar do sentimento de impotência que muitos de nós guardamos por não conseguirmos mudar a natureza das coisas. Tentamos tudo, alguns de nós, ao longo do tempo, até mesmo nos aviltamos nas tentativas, convivendo com quem está imerso no mal, tentamos desde revoluções à pura inércia, e não conseguimos alterar o horror lento ao qual estamos condenados por nossa condição humana.

E rezei. Pedi a um Deus distante, mas onipresente, segundo me dizem aqueles a quem respeito, que mitigasse meu ódio, minha angústia, minha perplexidade ante os meus semelhantes, os mesmos que lhe ceifaram a vida simplesmente por acharem que não havia espaço no mundo para você e os seus, os meus, e os nossos; os mesmos que hoje ceifam a vida de tantos…

Depois que contemplei longamente seu nome dentre todos aqueles outros, depois que lhe homenageei com minhas lágrimas e orações, subi até onde os desenhos das crianças mortas nos campos de concentração estavam expostos, e pensei que um deles poderia ser seu. Talvez aquele no qual um homem postado lateralmente a algumas crianças ajoelhadas porta um chicote enquanto uma pistola, vermelha, na cintura, se destaca do seu uniforme negro.

O olhar do homem olha o infinito. E se distancia da dor que causa.

O olhar das crianças olha esse olhar e teme, e aguarda, e sofre. É a banalidade do mal, não é, Hanna Arendt?

Assim foi aquele, dia, no qual encontrei o nome de Eva Ruth no panteão aos mortos judeus tchecos em Praga. Eva Ruth, claro, existiu, e para mim é um símbolo. Ela revive todas as vezes que uma criança morre graças à incúria dos homens. Aquele desenho pode não ter sido seu. E como, de fato, ela morreu, não sei.

Nunca saberei.

Mas não importa. Eva Ruth vive em cada criança que nós abandonamos  a sua própria sorte, ou azar, mundo adentro, mundo afora…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do Estado

* Os dois textos acima fazem parte de crônicas do autor, que está em viagem á Europa, passando-nos suas impressões sobre o “Velho Mundo”

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Renato diz:

    A proxima semana a versão será diferente, sempre muda

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