domingo - 14/06/2015 - 09:08h

Indígenas da Ribeira do Apodi e a opressão branca

Por Marcos Pinto

Saga de verdadeiro genocídio, em que a indiada tapuia paiacu bramiu o arco, a borduna e o tacape contra a pólvora e o aço viril do elemento branco, usurpador dos territórios por eles ocupado há séculos.

No começo, leis patriarcais davam como legado de honra aos fidalgos colonizadores o sacrifício da liberdade nativa. O silvícola era o homem “res”, ou o espécime de evoluído primata.

Na visão do povoador, o indígena nada possuía de humano, a não ser ser conformação física de membros ou a expressão rudimentar da palavra. Daí, a origem do entrevero entre o Padre Philipe Bourel com os curraleiros,que não respeitavam os princípios cristãos empregados como fator de catequização. Configurava-se, assim, a saga indígena configurada entre a cruz e a espada.

Na concepção tacanha e autoritária da gente branca, o índio podia ser trocado ou vendido; podia ser negociado como um simples animal, cujo valor estaria condicionado à sua capacidade de produzir. Podia ser morto ao talante do senhor que o detinha sob sua posse, sem que para isso houvesse a mediação da justiça. Essa situação aos poucos se modificou.

De sofrido a indignado o índio passou a inconformado e rebelde, o que desencadeou violenta reação sob forma de vindita, culminando nos grandes embates verificados nas margens da lagoa do Apodi, no ano de 1698, e na violenta refrega ocorrida na margem da lagoa do “Apanha-Peixe”, em que tombaram mortos os irmãos João Nogueira e Baltazar Nogueira, fato histórico conflagrado no dia 17 de Novembro de 1688.

Estes mesmos índios foram conduzidos no dia 12 de junho de 1761 para a vila de Portalegre. A pedido do governador de Pernambuco, o juiz de Recife, Dr. Miguel Caldas Caldeira de Pina Castelo Branco, foi enviado à vila de Portalegre para demarcar a terra para os índios Paiacu que viviam na ribeira do Apodi. Em 1762, os Paiacu, aldeados na Missão Paiacu(hoje Pacajus- Ceará) vieram acrescentar-se comunidade índígena de Apodi aldeada em Portalegre. Este fato causou conflitos entres os índios e os moradores da vila.

A presença dos índios Paiacus da Aldeia do Lago Pody na então serra dos Dormentes, que depois passou a serra de Portalegre está registrada no documento datado de 3 de novembro de 1825, que fala da prisão e fuzilamento dos índios na vila de Portalegre. Os índios Luíza Cantofa e João do Pêga, incentivadores da revolta indígena contra os moradores da vila, conseguiram escapar.

Mais tarde, quando dormia a sesta debaixo de frondoso cajueiro, Cantofa foi despertada pelo povo, abriu um pequeno oratório e começou a rezar o ofício à Nossa Senhora. Quando um dos brancos cravou em seu peito um punhal, a velha Cantofa caiu lavada de sangue, sua neta Jandy caiu também, desmaiada à seus pés.

Os brancos se retiraram sem ferir à Jandy. No dia seguinte a índia Cantofa foi sepultada no mesmo lugar de sua morte, nas proximidades da Fonte da Bica. Segundo os antigos, por muito tempo tal lugar foi considerado assombrado. Não se soube mais do paradeiro de Jandy.

Em todos estes embates, resta configurado que a nação indígena fugia aos rigores do baraço, escondendo-se nas brenhas e nos socavões inacessíveis da serra. Sobrevivia ou sucumbia atropelado pelas perseguições, ou castigado pelas enfermidades. Restava a notícia, a informação a correr de grupo em grupo, a denunciar o flagelo branco.

Morrer, então, debaixo do cutelo escravizante ou morrer premido pelo rigor das matas, nenhuma diferença fazia em termos de extermínio. Em 1637 tivemos revolta dos nativos do Ceará, que mantinham estreitos vínculos de amizade e parentesco com os tapuias paiacus do Apodi. Revoltaram-se contra os portugueses e aliaram-se aos invasores holandeses, entregando-lhes nos pulsos as algemas da espoliação.

Nos primeiros momentos do expurgo, favorecidos pelo despreparo da comunidade indígena, o poderio branco funcionou como se fosse um rolo compressor, esmagando e aplainando os espaços onde deveria se fixar a nossa civilização.

O índio então resistiu. Primeiro, isoladamente, e depois sob a égide de uma fortificada aliança com os índios do Assu e do Ceará, passando a espalhar o terror, sem reservas de preferências e sem limitações de ódio.

Em 1686, ou porque se subestimasse o poderio indígena, concentrado nas regiões do baixo Jaguaribe, com reflexo nas ribeiras do Assú e Apodi, ou porque o receio da invasão à sede da Capitania riograndense tinha impulsos de violência, decidiu o Capitão-Mór do Rio Grande a fazer guerra contra os tapuias paiacus que habitavam a ribeira do Assu. No cometimento dessa expressão de força residiu a explosão do grande conflito. Partiu o Capitão Manoel de Abreu Soares em busca da região indicada, levando consigo um contingente de 120 ordenanças e índios da aldeia do Camarão (Natal).

Chega ao ponto predeterminado. Flanqueia a Ribeira do Assu, tentando com essa estratégia alcançar os sucessos imaginados, porém, nada encontra além da desoladora exposição de terror. Tudo estava devorado pelo fogo. Somente ossadas humanas tinha subsistido à fúria selvagem. Soares mandou dar sepultura às ossadas e prosseguiu em busca do Apodi, onde a fortaleza selvagem tinha instaladas suas bases hostis.

Em Apodi travou-se fragorosa luta durante a qual se escoou um período de quatro meses apresentando contra os nativos apenas baixas que não correspondiam as ataques.

Soares de Abreu é substituído por Manuel da Silva Vieira, e a situação se modifica em favor do gentio indígena, que após infligir-lhe fragorosa derrota, obrigou-o a refugiar-se nos esteios da Casa Forte, no Assu. (FONTE: “A Guerra nos Palmares” – Ernesto Enes – Vol. 127 – Coleção Brasiliana. “A Guerra dos Bárbaros” – Taunay).

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Hermiro Filho diz:

    Excelente artigo.

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