O teatro perdeu, recentemente, um grande diretor – Jayme Lúcio Figueiredo. Nascido em Belém, radicou-se entre nós e aqui exerceu com brilho o seu talento como diretor teatral, especialmente nos anos setenta, através do Grupo Nuvem Verde, uma companhia que introduziu o dramaturgo Bertolt Brecht nos nossos palcos. Afastado da cena, por escolha pessoal ou talvez por ter se cansado de dar murro em ponta de faca, a contribuição de Jayme Lúcio à nossa cultura não pode ficar esquecida, não apenas por seu pioneirismo, mas, sobretudo, pela sua preocupação no sentido de incentivar a formação de um pensamento crítico entre os atores que, antes dele, pareciam levados apenas pela intuição.
Introdutor do método brechtiano, reuniu em torno de si um pequeno grupo que escreveu, por meio das peças que montou, um significativo capítulo da história do teatro em Natal, além de produzir ilações em outros segmentos artísticos, digamos assim, como o grupo Gato Lúdico, responsável por inesquecíveis performances, como o espetáculo “Azunhas do Gato Lúdico” que a meu convite abrilhantou o lançamento do “DN Revista”, caderno semanal que editei para o Diário de Natal, em 1993. Era já o começo de sua decadência, após a incursão pelo teatro de Dario Fo, de quem montou uma ou duas peças com a participação de Carlão, Carlos Alberto, seu ator favorito, que está voltando à cena como assistente de direção de Véscio Lisboa, responsável pela montagem, este ano, do “Auto de Natal”.
Contudo, suas encenações de peças de Brecht, nos anos setenta, dão testemunho do seu talento de diretor e, sobretudo, de educador à serviço da formação do ator. Ao contrário de Jesiel Figueiredo, que alcançou grande notoriedade, Jayme Lúcio era um diretor preocupado sobremaneira com a qualidade da interpretação, o que o levava a exigir muito do ator.
Trabalhava Jayme Lúcia as intuições com criticismo, pois, como Lênin, acreditava que a qualidade há de estar presente em tudo, até num espetáculo produzido numa província dorminhoquenta, onde a elite intelectual considera lesivos o ato de pensar e a discordância do status quo. Jayme, não. Para ele, a critica constituía uma espécie de fermento. Exigia-a daqueles que por ventura se agregassem ao seu famoso grupo Nuvem Verde, do qual fazia parte, entre outros, Vicente Vitoriano, que bem poderia dar um excelente depoimento a seu respeito, para enriquecimento da história da cultura em Natal.
Funcionário aposentado da TV Universitária, creio que desde a sua criação, passou seus últimos anos no anonimato, no Conjunto Pirangi, onde por duas vezes fui entrevista-lo para o meu livro “O Spleen de Natal”, sem sucesso, apesar do interesse que tínhamos ambos por essa idéia – o resgate de uma fase brilhante e inovadora da cultura urbana natalense, da qual fomos participantes e testemunhas. Ele, porém, estava sempre um pouco alcoolizado, ou – para usar de uma expressão do nosso tempo de jovens – “para lá de Marrakesh”…
Por fim, solicitado por outros interesses circunstanciais, desisti desse que esperava ser um grande depoimento. Por ser Jayme Lúcio, além de bem municiado de excelentes informações, inteligentíssimo, bem humorado e um desses artistas dotados desse estranho poder de renovar o mundo através de uma obra autenticamente pessoal e cheia de vida. Não sei detalhes de sua morte, a não ser que morreu sozinho e que, em termos estritamente pessoais, sua morte põe termo a uma grande solidão. E enluta e empobrece Natal e a cultura.
Franklin Jorge é jornalista e escritor – franklinjorge@yahoo.com.br
fui amiga de jaime lúcio,frequentava sua casa,umas das pessoas mais bonitas e boas que conheci.em boa hora essa homenagem de franklin jorge!
Pela proximidade que mantive com Jaime, durante trinta e dois anos, agradeço o texto que o homenageia e praticamente principia um processo de manutenção da sua memória.
Pela proximidade que mantive com Jaime durante 32 anos, agradeço o texto escrito que praticamente principia um processo de manutenção da sua memória.
Franklin,
Li o seu texto sobre Jayme. Somente alguém como você poderia escrever, tão sucintamente e tão bem, tão apropriadamente sobre quem merecia a melhor atenção. Texto ótimo, pungente. Quando fui avisado da morte do meu grande amigo Jayme fiquei tomado por uma imensa tristeza, pelo significado daquela perda. Fui ao seu sepultamento, fiquei tristíssimo. Não posso fingir, não posso negar que foi um momento de muita tristeza.
Assim, agradeço pelo seu texto, pela sua sensibilidade. E estou com saudades de você. Afinal, nessa atual onda de blogueiros, em que a mediocridade deita e rola, fico sentindo saudades daquele suplemento genial que você editava. Um abraço, João