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domingo - 27/10/2024 - 10:48h

João e sua inexplicável paixão pela “estrela solitária”

Por Marcos Araújo

João Araújo, ele mesmo, o botafoguense (Foto: cedida)

João Araújo, ele mesmo, o botafoguense (Foto: cedida)

João tem nove anos de idade. Um gosto único e inigualável por história, e em particular por história do futebol. Dotado de uma memória prodigiosa, conhece escalações e títulos dos clubes, nacionais ou internacionais. Pode perguntar o ano, o campeonato e o time vencedor que ele responde “na bucha”.

Outra especialidade de João é fugir do lugar-comum; contrariar as tendências. Tem uma personalidade muito própria, insuscetível a submissão de influências. Para realizar ou gostar de algo, não vai com “as massas”, forma isoladamente suas próprias convicções. Se fosse seguir o tronco familiar, o lógico seria ter ele o espírito e o fanatismo dos flamenguistas, dada a influência do padrinho-tio Evans, dos seus irmãos Lorna e Ary, das suas primas-irmãs Alice e Clara, dos outros primos Magno, Adriano e Samuel, e por aí vai… Por amor ao pai, poderia ter sido vascaíno, de quem já ouviu relatos sobre o craque Roberto Dinamite e sua habilidade inata nos anos 70, sendo esta a causa do apreço paterno ao clube cruzmaltino.

João não quis ser Vasco (clube do pai), nem Flamengo (clube do resto da família), ele é torcedor do Botafogo. Uma “estrela solitária” entre os Araujo.

Sua opção foi manifestada desde tenra idade. Ao dizer no colégio e entre os amigos por qual time torcia, sofria chacotas. Tempos em que o Botafogo oscilava entre os últimos colocados da 1ª divisão. Como se sabe, o Botafogo vinha numa fase difícil, somente voltando a reluzir sua “estrela” nos últimos dois anos.

Em setembro de 2022, ainda na fase “baixa” do Botafogo, João foi à Fortaleza ver o time do seu coração jogar. Esperou ansiosamente – e em pé – a passagem dos seus ídolos pelo saguão do Hotel por mais de três horas. Do seu lado, apenas dois outros estoicos torcedores. Um detalhe: ele era a única criança entre dois adultos.

Nada te faz mais feliz do que ser botafoguense. De um amigo querido (Daniel Vale), ganhou uma camisa autografada pelos craques da Libertadores de 2017. É o seu amuleto. Assiste aos jogos sempre vestido com ela. Momentos de jogos há um teletransporte mental. Coloca-se no anfiteatro dos acontecimentos. Fica ansioso de fazer pena, rói unha, disputa bola, xinga juiz… Inacessível a outro tema. Não ofereça nada, nem puxe conversa. Não responderá. É de uma compenetração e de um estado de atenção únicos.

Sua idolatria pelos jogadores do clube transcende ao natural. Conhece dados biográficos, clubes e locais de origem, performance nos campeonatos, gols etc.

João tem um desejo, um sonho manifesto, porém de impossível realização: gostaria de assistir a uma final de campeonato envolvendo o seu clube.  Pelo risco, já foi explicado que não comporta frequentar estádios em dias de jogos importantes. Poderia ele ser envolvido numa cena de violência, algo banalizado nesses tempos. Com tristeza, ele assistiu a cena dantesca protagonizada pelos torcedores do Penãrol neste último jogo. Na sua pureza de alma, não entende as agressões e a violência gratuita, quando o esporte deveria unir pessoas e povos.

Ele tem uma noção doméstica do que seja unidade entre as torcidas.  Seu irmão gêmeo, Ary, é torcedor do Flamengo. Os dois se sentam vizinhos em frente à TV, comemorando e fazendo pirraças recíprocas entre vitórias e derrotas. Sempre em tons civilizatórios e de carinho.

João e Ary, gêmeos em lados opostos, na torcida fraternal (Foto: cedida)

João e Ary, gêmeos em lados opostos, na torcida fraternal (Foto: cedida)

Sobre João, temos duas indagações: i) em que momento, e por qual razão, passou ele a ser torcedor do Botafogo?  ii)  de onde ele firmou convicção inabalável e absoluta de seguir um clube sem qualquer estímulo interno (familiar) ou externo (dos amigos)?

Quanto ao futuro, e como expectadores desta unidade e convivência futebolística entre os dois irmãos gêmeos (Ary e João), dois sentimentos assolam os nossos corações. O primeiro sentimento é de esperança. A alma juvenil, inspirada em valores como bondade, amizade, afeto e amor, hão de recuperar a fraternidade e a civilidade inatas ao ser humano e social.

O segundo sentimento é o desejo de um dia o esporte ser instrumentalizado apenas como agente da paz. Para isso, teríamos que contar com a conscientização de clubes, jogadores e torcedores. Por vezes, as redes sociais desse trio (clubes, jogadores e torcedores) alimentam o dissenso. São agentes de discórdia a estimular rivalidades, quando deveriam construir pontes, derrubar barreiras e promover relações pacíficas. O esporte, no presente, sofre duas ameaças tirânicas:  a violência e o fenômeno das apostas (as chamadas “Bet”s).

O Botafogo é chamado de “estrela solitária” porque os treinos começavam de madrugada, e por isso seus atletas conseguiam ver no céu o planeta Vênus, também conhecido como Estrela D’Alva.  Que essa “estrela”, que brilha solitária no apreço de João, mas se multiplica compreensiva e solidária em seu coração, inspire a nossa juventude e a maturidade para que possamos construir um futuro em cujo “céu” comporte uma constelação de “estrelas”, num bordado de luz contendo as palavras AMOR e PAZ.

Marcos Araújo é pai de João

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Categoria(s): Crônica

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