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domingo - 09/03/2014 - 03:53h

Jornal, qualidade e relevância

Por Carlos Alberto di Franco (O Estado de São P aulo)

A internet é, frequentemente, o bode expiatório para justificar a crise do jornalismo. Os jovens estão “plugados” horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é somente a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.

O público dos diários, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornalismo de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços – estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na internet. Ele quer conteúdo relevante: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.

Para sobreviverem os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o que é relevante. O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante.

Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. Para estes deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Será que estamos dando respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer parte do nosso exame de consciência diário.

Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para nos contar o imediato, o que vimos na televisão ou acabamos de acessar na internet. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas. Não há outra saída!

O que se nota é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem: a seleção de notícias, o jornalismo de alta qualidade narrativa e literária.

Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo) – uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance – é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. É preciso “contar a história de uma forma que nenhum blogueiro faz, algo para ser lido com prazer”. É isso que o público está disposto a pagar.

A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.

Estamos numa época em que informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. Assistimos a um processo de superficialização dos jornais.

Queremos ser light, leves, coloridos, enxutos. O risco é investir na forma, mas perder no conteúdo. Olhemos para o sucesso da revista britânica The Economist. Algo nos deveria dizer. Não é verdade que o público não goste de ler. O público não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância, o que não agrega, não tem qualidade. Um bom texto, para um público que compra a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

Daí a premente necessidade de um sólido investimento em treinamento e qualificação dos profissionais. Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. O jornalismo não é máquina, tecnologia, embora se trate de suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. Por isso são necessários jornalistas com excelente formação cultural, intelectual e humanística. Gente que leia literatura, seja criativa e motivada.

O conteúdo precisa fugir do previsível. O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Fazemos denúncias – e é importante que as façamos -, mas, muitas vezes, faltam consistência e apuração sólida.

O resultado é a pauta superada por um novo escândalo. Fica no leitor a sensação de que não aprofundamos, não conseguimos ir até o fim. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.

Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das ideias e das políticas públicas. Nós, jornalistas, somos – ou deveríamos ser – o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.

Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Somente um sério investimento em qualidade, rigor e relevância garantirá o futuro dos jornais. Ninguém resiste a uma boa história, ao texto bem apurado, ao ímã mágico de uma bela reportagem.

Carlos Alberto di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra.

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Categoria(s): Artigo / Comunicação

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Ótimo. ” Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.”
    Muito bem, conheço quem faz esse jornalismo NÃO DECLARATÓRIO. Todavia, nem posso elogiar embora difícil não fazê-lo. É que temo “botar água demais na flor”, para ela não apodrecer. Clarisse Lispector lembrou-me disso, logo abaixo…bem na hora.

  2. janio rego diz:

    uma velha fórmula para um problema novo. “O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante.

  3. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes.”
    Fazer isto em Mossoró, onde a pauta é feita pelos anunciantes?
    Se tentar fazer este tipo de jornalismo em Mossoró o jornal fecha em uma semana.
    Quem manda nos jornais aqui é quem detém as verbas de propaganda.
    Em Mossoró é impossível se fazer jornalismo.
    Por mais competente que seja o quadro de jornalistas dos jornais locais, os profissionais estão amarrados aos compromissos do jornal com os que pagam através do dinheiro do povo a verba que mantém o jornal vivo.
    No rádio acontece a mesma coisa.
    Até mesmo emissoras que foram criadas para a divulgação da fé e dos ensinamentos de Cristo se deixam amordaçar pelas verbas publicitárias.
    É o uso do dinheiro do povo contra o povo.
    Os órgãos de fiscalização?
    Fecham os olhos.
    E aprovam as contas mais estapafúrdias que se possa imaginar.
    MATARAM O JORNALISMO EM MOSSORÓ.
    MORREU O JORNALISMO MOSSOROENSE AFOGADO EM MOEDAS DE NÍQUEL.
    Como venderam barato o bem maior de um povo.
    ////
    FALTAM MEDICAMENTOS DE DISTRIBUIÇÃO GRATUITA EM MOSSORÓ.
    O FARDAMENTO ESCOLAR NÃO FOI ENTREGUE EM MOSSORÓ.
    O MATERIAL ESCOLAR NÃO FOI ENTREGUE EM MOSSORÓ.
    A MERENDA ESCOLAR É DE BAIXÍSSIMA QUALIDADE
    ESTA É A ADMINISTRAÇÃO DO FRANCISCO JOSÉ SILVEIRA JUNIOR

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