Por Alex Medeiros
No clássico “Um Amor de Professora”, de 1958, Doris Day apanha um jornal, exibe a capa com a manchete de um estupro para Clark Gable, e arremata: “jornalismo é muito mais do sexo e sangue”. Ele é um editor que tem horror a cursos de comunicação.
No velho filme, a visão fictícia sobre imprensa de 55 anos atrás que perdurou durante as décadas seguintes na vida real. Entre os anos 1960 e 1980, a sociedade rejeitava o noticiário policial, tido como uma subespécie de jornalismo, coisa de rádio AM.
Por anos, o jornalista Luiz Maria Alves provocou com suas capas e manchetes de crimes e tragédias uma ojeriza da classe média, que reagia com piadas e comentários do tipo “se espremer o Diário de Natal, sai sangue”. Alves sofreria uma terrível revanche.
Quando perdeu seu filho, Edu Heavy, o jovem líder da banda Sodoma, num acidente automobilístico na Via Costeira, em 1988, o velho e já cansado editor sofreu uma saraivada de telefonemas irados e irônicos de pessoas inimigas das suas manchetes.
Ligavam para o jornal e indagavam com um ar de ranço se ele iria publicar as fotos do acidente do filho. A alma de Alves estava dilacerada. Ao saberem dos telefonemas, os diretores Albimar Furtado e Vicente Serejo proibiram a telefonista de transferir a linha.
Naqueles anos, notícias de ocorrências policiais eram assuntos específicos de programas como o “Patrulha da Cidade”, que fez história na Rádio Cabugi. E o Diário de Natal explorava o tema porque Luiz Maria Alves sabia que atingiria o grosso da população.
Chegou a fazer uma pesquisa que comprovava que fora da época eleitoral o noticiário de política não vendia jornal. Quando criticado pelas imagens fortes na capa do Diário, rebatia: “Quem gosta do trágico e do grotesco é a humanidade, não sou eu”.
No início da década de 1990, o empresário e apresentador Silvio Santos inventou uma fórmula para consagrar a vice-liderança televisiva, estreando o programa policial Aqui Agora, num formato que gerou críticas de um lado e estudos acadêmicos de outro.
A cobertura exclusiva do chamado mundo cão, com câmeras em movimento e a instantaneidade das ocorrências, alavancou o ibope do SBT e atraiu até estudiosos europeus para analisar aquele estilo de jornalismo nunca praticado por lá até hoje.
O ex-senador Carlos Alberto de Sousa formou gerações de repórteres policiais com a versão local do Aqui Agora, com direito a Jota Gomes de versão nordestina do Gil Gomes. Era a televisão audaciosamente indo onde só o rádio e o jornal estiveram.
Com poucos anos de mercado, na mesma época, a TV Potengi de Geraldo Melo aceitou o ousado projeto do jornalista Rubens Lemos, que se utilizou de técnicas cinematográficas com a ajuda de Augusto Lula para cobrir o submundo do crime.
Os anos foram passando e o grotesco de que falava Seu Alves foi ganhando espaço no Brasil, não apenas no jornalismo, mas também na política e na cultura, gerando o país ridículo que temos hoje, e que dá vontade de ignorar, contrariando Eduardo Campos.
A exploração dos fatos policiais em excesso transformando um roubo de farmácia em Botucatu num assunto nacional ou um crime passional em tragédia histórica faz dos extintos Diário e Aqui Agora uma seção diminuta de uma pauta de boas variedades.
Prefiro conservar o conceito de Érica Stone, a fictícia professora de jornalismo interpretada por Doris Day em 1958 ou sentir saudade das manchetes de Luiz Maria Alves, que exploravam somente os fatos que diziam respeito à realidade do leitor.
Alex Medeiros é jornalista
* Texto originalmente publicado no Portal Noar
“A morte é notícia; a cura é anônima” (Dr. Júlio Sanderson)