Por François Silvestre
Na Secretaria de Estado do Planejamento fui bem recebido e municiado com uma vasta explicação sobre o programa de implantação de uma prática estratégica de governabilidade. O Secretário e sua equipe têm uma visão de metas que aponta para resultados futuros.
Não cabe aqui avaliar a procedência do esperado. É coisa do futuro.
E a motivação deste texto não cuida dessa avaliação. Nasce ele de uma frase que ouvi do Secretário. “Foi o discurso prometendo um governo técnico que ganhou a eleição”.
Ouvi calado para cumprir uma regra da hospitalidade sertaneja. Quando o dono da casa pede a opinião do visitante, acata a resposta mesmo que dela discorde. Porém, quando a opinião é expressa pelo dono da casa o visitante há de retribuir com a mesma gentileza.
Silenciei, cumprindo a regra não escrita da terra e da gente de onde venho. Deste sertão profundo, cujos galhos da jitirana, ora enfronhados, refazem meus olhos de infância.
Incomodou-me o gentil silêncio. Por quê? Porque o interesse histórico, que é também interesse público, obriga-me a questionar o que me parece retórica do entusiasmo. Ainda mais tratando-se da história política daqui. Dessa terra que carrego no matulão para qualquer lugar aonde me leve o destino de retirante.
Não, meu caro, não foi esse discurso que elegeu Robinson. Foi um conjunto de fatores tão marcadamente convergentes, que o discurso fica na rabeira da fila.
Nenhuma gestão técnica conseguiu salvar qualquer nação na hora da crise ou da guerra. Estamos numa crise, quase guerra, que clama por soluções políticas.
Em matéria de administração ou gestão pública, a técnica há de ser linha auxiliar da política. A intromissão técnica emparedou o sonho de Cortez Pereira.
A vitória de Robinson nada deve à retórica. Foi a rejeição popular ao fantástico acerto de cúpula que ignorou completamente a memória coletiva. Desmentindo outra falácia técnica, de que o povo não tem memória.
O povo cuida das suas necessidades. Pouco importando a retórica, mesmo gostando de discurso bonito.
Um candidato sem máculas, simples, de comunicação fácil, contra um agrupamento de “aliados” que durante três décadas trocaram acusações e insultos. O povo reprovou o ajuntamento “heterogêneo”. Juntos e arrogantes.
A insatisfação popular votou contra aquela “amizade” de última hora. De “inimigos” longevos. A arrogância da vitória antecipada. Robinson soube aproveitar, rejeitando vantagens. Dizer que o tempo é outro é o mesmo que informar o frio do gelo.
Mudança é a mais prostituída palavra de cada governo. Na hora da disputa do voto, os técnicos são dispensáveis. E a mudança decantada é a de “que tudo mude pra que fique tudo do mesmo jeito”.
Da lição de Lampedusa. Il Gattopardo.
Té mais.
François Silvestre é escritor
A propósito da “mais prostituída palavra de cada governo” lembre isto:”E essa mudança não começa, não se sente quando começa e quase nunca acaba…Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocrisias, ficam alheados da simpatia dos que acreditam nele; e demais, esquecidos de sua vital impotência e inutilidade, levam a prometer o que não podem fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e mudanças.” Lima Barreto, em ‘Triste Fim de policarpo Quaresma’