Por David de Medeiros Leite
Sucedem-se dias, meses, anos e décadas, no dito movimento dialético. Pessoas passam. Máquinas são mudadas. Trocadas. Modernizadas. Linotipos, offsets, computadores. Das xilogravuras às modernas diagramações.
A tinta, ou seu cheiro, deambula e impregna na alma do papel ou de quem, por ventura, passar-lhe a vista. Ideias defendidas, contestadas, combatidas e ressaltadas pairam no ar por séculos, seculorum, amém. Escafandristas mergulham em mares de papéis, arquivos físicos ou virtuais, resgatando notinhas, reportagens e fotos de antigos sucessos e insucessos.
143 anos! Como (re)contar essa história? Enxurradas de pingos de tinta e de suor. Falar em todos os nomes seria hercúlea empreitada. Pesquisa colossal. Escrutinar um sugere tarefa delicada, costeando-se o alambrado das injustiças. Todavia, pior é não fazê-lo. Malfazeja seria a omissão de não gravar, em suas próprias páginas, protagonistas de tão exitosa jornada.
Na dúvida da seleção, marco duplo: Lauro e Dorian. “Mas são dois nomes sempre comentados, quando o assunto é O Mossoroense!”, dirão. Ora, bolas, filio-me a Oscar Wilde quando leciona que, mesmo coisas que já foram ditas, carecem de repetição.
Dorian, no prefácio do livro de Lauro, Memórias de um Jornalista de Província, com o seu extraordinário poder de síntese, diz: “Em quaisquer mãos que esteja, hoje ou amanhã, O Mossoroense será sempre a Casa de Lauro da Escóssia”. Epítome frasal digna de frontispício.
No mesmo texto, Dorian consegue se superar ao descrever a rotina, imortalizando nomes com sua inconfundível pena: “Velhos e saudosos companheiros de meus começos de sonho. Quincão, Massilon, Surica, Tinteiro, Lauro e Danilo, Fernando Couto, Cizinho, Vicente e Vicentinho, Chico e Zé Abel. Quincão jogava com o pé, certeiro, bolotas de papel molhado e raramente errava o alvo. Zé Abel cantava músicas de Dick Farney, mentia ou dizia imoralidades. Lauro velho o repreendia incentivador:
– Deixe de ser imoral, seu fela da puta!”
Lauro da Escóssia e Dorian Jorge Freire. As convergências suplantam, em muito, as dissensões dos caminhos percorridos na saga do jornalismo. Para ambos, O Mossorense foi universidade, laboratório, porto seguro. Lauro nunca quis arredar o pé do jornal familiar. Até em momentos de ameaças, permaneceu irredutível. Cidadela, enfim.
Dorian andejou pelo Sul Maravilha. Fez-se respeitar pelos periódicos de lá, deixando marcas de resistência em momentos de escuridão democrática. E voltou ao seu “caritó”. Do reencontro com Mossoró e com o jornal, brotaram páginas dignas de releituras. Leiam-se Os Dias de Domingo e Veredas do Meu Caminho.
Bem menos do que desejei, convivi com ambos. No Abel Coelho, colégio onde fiz o ensino secundário, Lauro da Escóssia foi homenageado, nominando a Biblioteca. E, nesse período, por lá gostava de passar algumas horas, suportando nossas bobas perguntas. Amparado na bengala, ria o riso dos sábios, hoje consigo deduzir.
Com Dorian, algumas conversas em sua casa. Afoito, pedi um texto para orelhas do meu Ombudsman Mossoroense. Creme dos cremes. Orgulho de quem recebe uma chancela desproporcionalmente superior ao livro.
Drumonnd, no belo poema “Resíduo”, predica: de tudo fica um pouco. E fica mesmo. No caso de Lauro e Dorian, ficou muito deles n’O Mossoroense. Para nosso júbilo: do jornal e de Mossoró. Assim seja.
David de Medeiros Leite é professor da UERN e doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha).
* Texto originalmente publicado em O Mossoroense, em edição especial dos seus 143 anos, sábado (17 de outubro de 2015)
Belíssimo texto.
Parabéns David Leite.
Obrigado, Iris…
David