Por Honório de Medeiros
Leão Veloso (Pedro Gomes Leão Veloso) nasceu em Itapicurú, Bahia, no dia 1º de janeiro de 1828. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Filiou-se ao Partido Conservador e foi várias vezes Deputado Provincial pela Bahia. Presidiu a Província do Espírito Santo, Alagoas, Maranhão e, então, de 1861 a 1863, o Rio Grande do Norte.
Depois, ainda administrou o Piauí, o Pará e, por duas vezes, o Ceará.
Em 1878, foi escolhido Senador do Império pela Bahia. Ministro do Império em 1882 chegou, finalmente, a Conselheiro de Estado em 1889.
O melhor relato acerca de Leão Veloso no Rio Grande do Norte é de Câmara Cascudo, em seu Governo do Rio Grande do Norte[1], no qual consta que ele visitou o interior da província, indo a Mossoró e, em julho de 1862, a Caicó.
É uma informação extremamente suscinta acerca da viagem que a Comitiva Governamental empreendeu ao interior do Rio Grande do Norte, chegando a entrar na Paraíba, visitando Macau, Açu, Acari, Jardim do Seridó, Caicó, Martins, Portalegre, Patu, Pau dos Ferros, e Mossoró.
Nessa viagem, que durou 44 dias, e que começou no dia 16 de julho de 1861, às 8 horas da manhã, no vapor Jaguaribe, fez-se acompanhar por João Carlos Wanderley, inspetor da tesouraria provincial; Ernesto Augusto Amorim do Vale, engenheiro; Manoel Ferreira Nobre, ajudante de Ordens; e Francisco Othilio Álvares da Silva, jornalista, que registrou tudo, em deliciosas crônicas, para o jornal O Recreio[2].
162 anos depois, neste ano da graça de 2023, Honório de Medeiros, André Felipe Pignataro e Gustavo Sobral, em uma comitiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), vão refazer o mesmo percurso e, ao final, da mesma forma que a viagem anterior de Leão Veloso originou um relatório governamental, desta vez um outro será apresentado formalmente, por eles, ao Instituto[3].
Cascudo lembra que durante a administração de Leão Veloso, a Província atravessava um período de grande depressão econômica e isso o levou a comprimir as despesas por todos os lados:
Diminuiu até a iluminação pública, cortou três cadeiras do Atheneu, demitiu dezenas de funcionários. Seu “Relatorio” (16-2-1862) é um dos documentos mais completos, elevados e nítidos que possuímos da administração Imperial. Nada conheço superior. A situação financeira era terrível. O funcionalismo estava morrendo de fome, (mas) Leão Veloso, energicamente, enfrentou o problema, atacando despesas inúteis e suprimindo tudo quanto lhe parecia adiável.
Por fim, arremata Cascudo: “Veloso tem (teve) ideias originais e justas”.
Difícil é tirar Leão Veloso do limbo da história. Entretanto, não é possível esquecermos a ousadia de sua viagem, a primeira do gênero no Rio Grande do Norte, que seria repetida no período de 16 a 29 de maio de 1934, pelo Interventor Federal Mário Câmara, em cuja comitiva oficial constavam Anfilóquio Câmara (Diretor geral do departamento de Educação); Antônio Soares Júnior (Prefeito de Mossoró); Alcides Franco (Chefe da segunda seção técnica do Serviço de Plantas Têxteis); e Oscar Guedes (inspetor do mesmo Serviço), e Luís da Câmara Cascudo.
Dessa viagem, surgiu Viajando o Sertão, publicado em 1934 no formato de livro e também como uma série de crônicas no jornal “A República” de 31/05 a 22/07 de 1934.
Assim como, em um remate à contraluz, difícil é esquecer que Leão Veloso, segundo Bruno Agostini[4] é o criador da sopa que leva o seu nome, “um prato carioquíssimo criado no Rio Minho, berço desse caldo de pescados encorpado, feito com base em peixes e frutos do mar, ainda hoje o melhor lugar para apreciar esse clássico da gastronomia carioca”.
Agostini lembra que viajado e apreciador da boa mesa, Paulo Leão Veloso foi diplomata do Brasil em vários países, entre eles a França. Foi lá que ele conheceu a Bouillabaisse, sopa típica de Marselha, no sul da França, às margens do Mediterrâneo. E foi essa receita que inspirou a versão carioca, que ganhou o nome do sujeito que teria passado, na década de 1910, provavelmente, o modo de preparo aos donos do Rio Minho.
“Isso não aconteceu apenas para homenagear Pedro Leão Velloso Neto. Cozinheiros, garçons e muitos clientes não conseguiam pronunciar corretamente Bouillabaisse. Portanto, a sopa carioca não é um ‘plágio’ da francesa, como se pensou por muito tempo, porém uma aculturação em função da disponibilidade de produtos e, sobretudo, da dificuldade de comunicação”, escreveu o maior jornalista da História da Gastronomia Brasileira, J.A. Dias Lopes, colunista da Veja (leiam, basta seguir no Facebook).
E eis a receita[5]:
Lave os camarões e mexilhões e reserve. Retire a cabeça do peixe, coloque-a em um caldeirão, cubra com cerca de 5 litros de água fria, tempere com sal a gosto, leve ao fogo alto e deixe ferver. Junte o amarrado de ervas, tampe o caldeirão, abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 1h30. Elimine a cabeça do peixe e o amarrado de ervas, coe o caldo e leve novamente ao fogo. Coloque os camarões em uma cesta de arame para fritura, mergulhe no caldo, cozinhe somente até ficarem rosados, tire do caldo, elimine as cascas, limpe e reserve. Faça o mesmo com os mexilhões até as conchas se abrirem, tire do caldo, remova as conchas e reserve. Mantenha o caldo em fogo alto. Amasse os dentes de alho com grãos de coentro e 1 colher (chá) de sal até obter uma pasta, acrescente ao caldo, junte cheiro verde, tomates, tempere com pimenta, deixe ferver, tampe a panela, abaixe o fogo e cozinhe até os tomates ficarem macios. Corte o peixe em postas, tempere com sal e pimenta, coloque azeite em uma panela, aqueça em fogo médio, junte as postas de peixe, frite até ficarem douradas, tire do fogo e elimine a pele e espinhas. Desfie a carne do peixe, acrescente ao caldo junto com as carnes de siri e lagosta, camarões e mexilhões. Coloque um pouco de água na panela onde o peixe foi frito, deixe ferver, junte ao caldo, misture, verifique o tempero e deixe ferver mais.
Pedro Gomes Leão Veloso faleceu no Rio de Janeiro, a 2 de março de 1902.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN
Referências
[1] CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI: 1989.
[2] Com informações do jornalista e escritor Gustavo Sobral (gustavosobral.com.br).
[3] As peripécias da viagem estão em @comitiva1861
[4] //menuagostini.com.br/retrato-de-um-prato-a-sopa-leao-veloso-a-versao-carioca-da-francesa-bouillabaisse/
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