Por François Silvestre
(Para Naide Rosado e Carlos Santos)
Tudo começou na feira do Patu. E estendeu-se para as outras feiras, numa romaria desassossegada. E tensa. Intensa. Assim foi a paixão de Samuel.
Os ciganos chegavam às cidades e procuravam as fazendas mais conhecidas para pedir arrancho. O Cangaíra, de Messias Targino. O Manuê, de Antônio Suassuna. O Açude Novo, de Chagas. Os Cajuais, de Quinquim Gomes. A Bola, de Silvestre Veras. A Jurema, de Pedro Regalado. Lages, de Oliveira Rocha. Os Campos, de Zenon de Souza. Timbaúba, de Osório Fernandes. A Lagoa, de Manoel Onofre.
E muitas outras. Os bandos liderados por um chefe conversador e convincente, geralmente deixavam marcas de suas paragens não muito recomendáveis. Zé Garcia era o mais famoso deles.
Mesmo assim, sempre conseguiam autorização para novas pousadas. Ninguém sabia a razão dessa leniência dos fazendeiros. Ou se alguém sabia, fazia-se ao desentendido.
A verdade de mesmo, motivadora dessa relação, onde as fazendas quase sempre sofriam prejuízos, não era outra senão a quantidade de ciganas jovens e bonitas. Belas e acessíveis.
“Num sei o que é que fulano tem com esses ciganos. No inverno do ano passado, eles roubaram três burros de carga e venderam armas com defeitos. E ele ainda hospeda essa gente”. Dizia a mulher de um desses fazendeiros.
Ocorre que não era para os ciganos e sim para as ciganas que o marido dela dava arrancho. Os prejuízos faziam parte da artimanha.
Os cabarés, das cidades pequenas, assustavam os fazendeiros. Não por doenças ou custos, mas por medo da falação. O bando arranchado de ciganos era uma mão na roda.
Foi num dia de feira, em Patu, que Samuel conheceu Honoralina, filha de Coralina com o cigano Honorato. Paixão que desceu feito balão incendiado. Quentura sem rumo.
Aproximou-se e pediu leitura da mão. Ao toque com os dedos suaves da jovem cigana, Samuel nem ouviu as previsões. A vista embaçada e o corpo trêmulo. Quando a cigana fechou a mão, o ganjão Samuel pediu quase chorando: “Leia mais”.
Na emoção, deixou de ouvir as previsões sombrias. E não deixou mais de seguir o grupo de Honorato, dissidente do grupo maior de Zé Garcia. Os dois brigaram e o grupo dividiu-se.
Estivesse Honorato em Umarizal, lá estaria Samuel. Sempre de mão mendiga a pedir leitura de Honoralina. Em Caraúbas, Pau dos Ferros, Apodi, Brejo do Cruz.
Por não ouvir as previsões de Honoralina, dada a emoção que dominava o corpo, fechando os ouvidos, Samuel não tomou as precauções que a cigana sugeria. “Uma desgraça lhe segue as veredas, ganjão. Desgraça de sangue de faca. Não fique na feira da chapada”.
Naquele Sábado, a discussão no bar de Apodi e três facadas no bucho. Tripas expostas, Samuel agoniza. A dona do boteco aproxima-se. Ele diz a última palavra, com a mão aberta: “Leia”. Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
Beleza. Uma Crônica bela na força de seus personagens que só preciso dividir com o Jornalista Carlos Santos. É muita honra. Té sempre, François Silvestre.