Por Odemirton Filho
A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais caros em uma democracia. Através dela o cidadão pode expor a sua opinião e ideias sem receio que sofrerá qualquer sorte de censura.
A Constituição Federal garante que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Sendo assim, podemos expor a nossa opinião e tecer críticas a quem quer que seja, inclusive aos nossos governantes e às Instituições.
Entretanto, nenhum direito é absoluto. Nenhum!
Podemos fazer críticas, é certo, mas, sem esquecer, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Ao exercer a liberdade de expressão o cidadão poderá atingir, de igual modo, outro direito fundamental, a honra e a imagem das pessoas, havendo, nesse caso, colisão entre direitos fundamentais. Sobre o assunto, ensina Norberto Bobbio:
“Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem, ao contrário, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem, e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante. Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro”.
Assim, a despeito de exercer a liberdade de expressão, o cidadão poderá incidir nos crimes contra a honra previstos no Código Penal, ou seja, a calúnia (Art.138), a difamação (Art. 139) e a injúria (Art. 140).
A calúnia atinge a honra objetiva da vítima, ou seja, o conceito que ela goza perante a sociedade. São três características para se configurar o crime de calúnia: a imputação de um fato, esse fato deve ser falso e, além de falso, o fato deve ser considerado como crime. Por exemplo, afirmar que o gestor público desviou uma verba destinada para a construção de uma praça.
Já o crime de difamação ocorre quando há uma imputação de fatos determinados, sejam falsos ou verdadeiros, à pessoa determinada, ou pessoas. A difamação tem o objetivo de macular a reputação da vítima, ou seja, a sua honra objetiva. Tome-se, como exemplo, divulgar pela cidade um fato desonroso contra o prefeito.
Por outro lado, o crime de injúria, ao contrário dos crimes de calúnia e difamação, atinge a honra subjetiva, isto é, o conceito que a vítima tem de si mesmo. Na injúria, como ensina o professor Rogério Greco, não existe imputação de fatos, mas sim, de atributos pejorativos à pessoa. Caracteriza-se, à guisa de exemplo, chamar alguém de idiota.
Como se observa, o exercício da liberdade de expressão, apesar de ser um direito fundamental, poderá ter consequência. Ou seja, ao exercê-la, sem pesar as suas palavras, o cidadão estará sujeito a ser processado civil e criminalmente por aquele que se sentiu ofendido.
O que presenciamos hoje em dia nas redes sociais é ataque um sistemático às pessoas e às Instituições, muitos dizem o que lhe vem à cabeça, sem analisar a consequência do seu ato. Não há limite prévio à liberdade de expressão, o que seria censura, mas poderá haver consequência.
Ressalte-se que a internet não é um território sem lei, na qual se pode ofender a torto e a direito. É comum ver nas redes sociais, “amigos” e familiares agredindo uns aos outros, sem medir as palavras.
A disciplina do uso da internet no Brasil – Lei n. 12.965/13 – tem como um dos princípios a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
Diz, ainda, que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados, entre outros, o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
No voto que proferiu no julgamento que validou a continuidade do Inquérito das fake news, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, afirmou que a “liberdade de expressão não pode ser biombo para a criminalidade.”
No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso asseverou: “A democracia comporta militância progressista, militância conservadora. Agora, quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante. Primeiro é mercenário, recebe dinheiro para a causa. Depois é criminoso, porque atacar pessoas com ódio, com violência, com ameaças, não é coisa de gente de bem, é gente capturada pelo mal”.
Assim, cobrar dos gestores uma conduta proba, apontar seus erros na administração da coisa pública e reivindicar soluções para os problemas da sociedade fazem parte da liberdade de expressão e do exercício da cidadania.
Além disso, discordar do posicionamento político-ideológico do outro é imprescindível para o debate, ajudando a formar o entendimento sobre determinado assunto.
Todavia, a liberdade de expressão poderá configurar crime contra a honra e crime de ameaça, ambos passíveis de punição pelo Estado-juiz, a depender das palavras proferidas.
E mais, o confronto já não está somente nas redes sociais, começa a ganhar as ruas, nas quais alguns se aproveitam para vandalizar, como se depredar prédios, agredir e ameaçar pessoas fossem atos democráticos, e não crimes.
Acrescente-se que tais atos podem ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional, pois tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito é considerado crime.
É esse, infelizmente, o grau de intolerância e ódio que atravessa o Brasil, no qual a ausência de civilidade democrática tem acirrado os ânimos, ajudando a tornar instável a harmonia entre os Poderes da República.
Portanto, no Brasil contemporâneo, a liberdade de expressão se tornou sinônimo de ofensa e ameaça, pois no terreno arenoso da polarização não há espaço para a convivência dos contrários e o bom senso.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
* Vídeo constante da postagem é de manifestação ocorrida em Brasília, em frente ao STF, à noite do sábado (13 de Junho de 2020)
É, infelizmente nossa Constituição é desrespeitada todos os dias, e o pior, por quem constituem os poderes tanto na esfera municipal, estadual e federal, nesta última com putrefação que faz mal a qualquer olfato. Que pena! Hoje é óbvio que ninguém respeita ninguém , está é infelizmente uma realidade.