Por Luíza Franco (BBC News Brasil)
Dona de uma “personalidade espevitada”, Maria Bonita – que, em vida, era conhecida como Maria de Déa – era uma mulher empoderada , transgressora, bem-humorada e “um tipo meio canalha”. Mas apesar de estar “à frente do seu tempo”, não se incomodava com a opressão em que viviam suas colegas de cangaço e apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas.
É assim que a jornalista Adriana Negreiros retrata a cangaceira, que acaba de biografar em Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva). O livro conta a história do cangaço dando destaque às mulheres e aos relatos que fizeram sobre como era a vida no bando de Lampião. “Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema como as histórias delas eram desqualificadas”, diz Negreiros.
Maria Gomes de Oliveira (1910 – 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião, em 1929, e decidiu juntar-se ao bando no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo. Seria uma das poucas a tornar-se cangaceira por vontade própria – muitas foram raptadas.
Ela acabou morta junto com Lampião e outros membros do bando num ataque das forças de segurança a um acampamento onde pernoitavam. Foi decapitada e, assim como os demais, sua cabeça foi exposta diante da Prefeitura de Piranhas (AL).
O livro também se esforça para desfazer a imagem de Lampião como o “Robin Hood do sertão”, disseminada na mídia e por movimentos de esquerda da época.
“Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigo de um interventor. O fato de ter passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres”.
Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy . A seguir, veja trechos da entrevista com a autora:
BBC News Brasil – Como surgiu a ideia de escrever uma biografia de Maria Bonita?
Adriana Negreiros – Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família é de Mossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje.
Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um monte de mulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas.
BBC News Brasil – A imagem que tinha dela antes de escrever o livro mudou?
Negreiros – Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pega em armas. Não sabia que as cangaceiras não pegavam em armas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar.
BBC News Brasil – Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora?
Negreiros – Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada, de quem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso – a mulher precisava de autorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indícios de que ela tinha um amante.
Quando ficava de saco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do ponto de vista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (…) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela.
Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégia de sobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papel de protagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente.
BBC News Brasil – Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista?
Negreiros – Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política, de gênero. Não se mostrava incomodada com a situação de opressão contra as mulheres. O conceito de sororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras.
O código de conduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeita de que (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como ela de fato foi.
BBC News Brasil – A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou?
Negreiros – Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu.
(O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena, de um marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercê de uma série de violências. Viu a possibilidade de segurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamar de amor. Era uma relação afetuosa.
BBC News Brasil – Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso?
Negreiros – Isso me chocou muito. Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam – de abandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) – e ouvia as pessoas relativizando, dizendo “será que foi isso mesmo”?
Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava “como uma menina de 12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?”.
Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depois de deixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje.
BBC News Brasil – E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época…
Negreiros – Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadas de uma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalho de garimpo, mesmo.
BBC News Brasil – Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria?
Negreiros – Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas.
BBC News Brasil – É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista?
Negreiros – Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturas de opressão que atuavam no cangaço.
BBC News Brasil – No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questão de desmontar isso.
Negreiros – Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas “quero ser fazendeiro, governador”. Não queria organizar um movimento de camponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada.
OS POBRES FICAVAM NO MEIO DO FOGO CRUZADO. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivesse sua casa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era “amiga de cangaceiro”. Não tinha isso de que distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatia de determinada região e ser protegido.
Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrar de peso. Lampião não tinha a menor consciência de classe. Não tenho dúvida de que, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) “meus colegas pobres, oprimidos”. Além disso, era um cara racista. Odiava negros.
BBC News Brasil – Por que a esquerda não via isso?
Negreiros – Não é tão preto no branco. Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, de o cangaço ser um banditismo rural, é um movimento de insurreição.
Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformava de que aquela era sua sina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem na sua gênese certo componente de insurreição.
Frederico Pernambucano de Mello (pesquisador do cangaço) chama de “irredentismo”. A coisa do “vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino”. Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidade de ficar rico ou o desejo de ser maioral do sertão.
BBC News Brasil – No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O grau de violência que eles cometiam te surpreendeu?
Negreiros – Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depois de morta teve a vagina arrancada. O cangaceiro ficou carregando aquilo na bolsa.
BBC News Brasil – Viu paralelos com o Brasil de hoje?
Negreiros – Me parece ter certa semelhança com tráfico de drogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questão de se esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antes de procurar a polícia. A corrupção policial – os policiais vendiam armas para cangaceiros.
P.S do Blog Carlos Santos – Adriana Negreiros é de origem mossoroense e casada com o também jornalista e escritor cearense Lira Neto, autor de livros como a trilogia “Getúlio” (sobre Getúlio Vargas).
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“Maria Gomes de Oliveira (1910 – 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião”
“apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas.”
Dizer mais o quê?
Alguém já escreveu um livro sobre Celina Guimarães Viana?
Alguém já escreveu um livro sobre Clara Filipa Camarão?
Alguém já escreveu Nísia Floresta Brasileira Augusta?
Alguém já escreveu um livro sobre Luíza Alzira Soriano Teixeira?
Não me surpreenderei se amanhã escreverem livros os condenados no SAL GROSSO.
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CORRUPTO NÃO TEM FAMÍLIA. CORRUPTO TEM CÚMPLICE.
Conforme se pode inferir da entrevista da escritora ADRIANA NEGREIROS (ESPOSA DO BRILHANTE PESQUISADOR, ESCRITOR E JORNALISTA LIRA NETO), bastante densa, coordenada e responsável sua pesquisa, no que resultou no Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva).
Todavia, entendo que, dada a origem e o contexto histórico, cultural, politico e familiar, no qual nasceu, se criou e logo após sevou obrigado fazer parte do BANCO DE LAMPIÃO, de forma nenhuma se pode exigir de MARIA BONITA o esterótipo de feminista, muito menos atos e atitudes que não corroborassem os costumes impostos pelo patriarcado da época.
No mais, todas as figuras, DE CERTA FORMA REVOLUCIONÁRIAS figuras enumeradas pelo Digno Jornalista Inácio Augusto Almeida, claro merecem não só destaque, como estudos, pesquisas e, pro via de consequência, publicações de livros.
No caso, não tenho certeza, porem intuo que, sobre varias dessa pessoas de renome histórico enumeradas pelo Sr. INÁCIO AUGUSTO ALMEIDA, efetivamente já foram, realizadas pesquisas e estudos sobre as mesmas, e, logo após, houve publicação de livros, artigos e estudo de mestrado sobre sua vida e obra no que pertine serem precursoras de movimentos libertários/iluministas no curso das suas vidas.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.
Estas figuras são totalmente desconhecidas dos nossos estudantes. Sobre elas não se cria nenhum clima romântico. Já sobre uma mulher que abandonava o lar para se meter em forrós em busca de companhia masculina se cria uma aura de dignidade. Mulher que abandonou o marido para seguir com um bandoleiro sanguinário.
Maria Bonita era uma bandida, que junto com o bando do seu amásio, aterrizou o Nordeste e impediu o desenvolvimento econômico da região ao praticamente impedir a circulação de pessoas e mercadorias pelas estradas.
Tipos como este já deveriam estar na vala do esquecimento.
Que os professores das nossas escolas passem a mostrar aos alunos que temos mulheres que fizeram história e que não podem nunca serem olvidadas.
Por que a Secretaria de Cultura não promove um evento tendo como tema CELINA GUIMARÃES VIANA?
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CORRUPTO NÃO TEM FAMÍLIA. CORRUPTO TEM CÚMPLICE.
SETEMBRO SE INDO E NEM SINAL DO JULGAMENTO DOS RECURSOS SAL GROSSO.
Jornalista Carlos Santos.
Há chances de ouvirmos Kydelmir Dantas sobre o assunto?
Jamais olhei o cangaço sob a perspectiva das suas mulheres. Muito submissas.
NOTA DO BLOG – Vamos convocá-lo a escrever por essas bandas, integrando-se à equipe ilustríssima de colaboradores.
Xacomigo!