Por Bruno Ernesto
Quem é do Nordeste espera o mês de junho a partir do dia primeiro de julho, para poder aproveitar novamente o melhor mês na região, e é inegável que todo nordestino tem uma memória afetiva desse mês, quer seja pelo cheiro, som, paladar ou visual.
A maioria de nós lembra dessa época da infância como se a noite jamais tivesse acabado, mesmo que a fogueira tenha queimado até a última lenha, alguém tenha comido a última espiga de milho, o sanfoneiro tenha tocado o último acorde, e o último fogo de artifício tenha estourado, deixando um zumbido interminável como recado para o próximo junho.
Quem tem filho pequeno, certamente tem mais memórias afetivas desse período e, claro, lembro dos primeiros são-joões de minha filha no colégio.
Gosto de registrar o máximo possível desses momentos para a posteridade, pois o tempo só corre para frente, uma única vez, e o que não se registra se perde.
Assim, registrei tudo o que pude dessa primeira fase escolar de Mel. Desde o primeiro dia de aula, quando ela entrou puxando sua mochila, de franja bem cortada, farda engomada e de sandálias, com aqueles olhos curiosos olhando tudo ao seu redor, sem dizer uma palavra. Pensei que iria chorar, mas nunca chorou.
Não me lembro de ter faltado a nenhuma de suas apresentações dos festejos juninos no colégio para prestigiar a minha princesinha que, a cada ano, foi crescendo com uma rapidez tamanha. Sua infância me escapava por entre os dedos.
Seguindo a régua do tempo, ontem foi a sua última apresentação, e, confesso, segurei as lágrimas, pois no mesmo instante em que filmava os onze minutos e quarenta e três segundos de sua apresentação, passavam na minha cabeça todas as apresentações dos anos anteriores.
Ao final da apresentação, fui ao seu encontro e, de longe, a vi junto aos amigos de turma tirando fotos juntos; todos sorrindo. Só interrompi para fazer um breve registro comigo, como sempre faço, e fui embora, num misto de saudade e resignação por saber que é o curso natural da vida.
Sim, claro que a música que tocou durante a sua apresentação ficou marcada na minha mente. Não só por ter se repetido várias vezes, mas também por ser uma música das quais mais gosto, tendo sido uma coincidência muito feliz para mim, pois lembrarei desse dia para sempre, uma vez que, além da melodia, gosto das letras.
Há quem diga que a poesia é maior que a prosa. Não sei e nem me atrevo a opinar.
Sei que há uma diferença fundamental entre uma e outra: na poesia, as palavras vêm primeiro, os sentimentos depois.
Penso que sou mais tendente à prosa, pois primeiro me vêm os sentimentos, só depois as palavras.
Assim, embora tenda à prosa, também gosto de poesia, especialmente as declamadas por Antônio Abujamra; e ontem, ao me despedir de minha filha e sair do colégio, ressoou na minha mente a música É Madrugada, de autoria de Antônio Barros e interpretada pelo Trio Nordestino: “Eu saia chorando, pela rua gritando, cadê o São João, Pra que tanta fogueira, se pra mim a noite inteira vai ser grande a solidão.”
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
Meu caro, Bruno. Esses momentos são significativos e ficam guardados no coração.
Belo texto! Escrito com o coração.