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domingo - 11/08/2024 - 07:48h

Madrugada insone

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa feita pelo autor da crônica

Foto ilustrativa feita pelo autor da crônica

Duas e cinquenta e cinco da madrugada. Levanto-me para ir urinar e sinto que o sono foi-se embora. “Acho que a quetiapina falhou de novo”, penso com meus botões. Os galos palestram cheios de entusiasmo. O que tanto será que conversam? Não sei. O que sei é que gosto de ouvir esses tenores ao longe. Pois é, ainda há galos, noites e quintais. O bigodudo Belchior ficaria contente com isso.

No mais compreendo que não conseguirei voltar a dormir. Não pelo menos em breves minutos, assim tão depressa. Decido que será oportuno ligar o computador e escrever alguma coisa após vários dias sem produzir uma página. É isso. Vou rabiscar uma historinha enquanto a insônia permanece. Tomo a providência de preparar a cafeteira. Sim, um cafezinho talvez ajude a fazer os pensamentos fluírem. Daí a pouco a cafeteira emite seus últimos estertores. O cheio é ótimo!

Não tomarei banho tão cedo. Lavo apenas os olhos e escovo os dentes; deixo outras abluções para mais tarde. Um vigilante de rua passa apitando sobre uma motocicleta. Os galos seguem com o colóquio em pontos diversos. Sirvo-me de uma pequena xícara de café. Vou tomando a rubiácea com vagar.

Um turbilhão de pensamentos me vem à mente. Nada, entretanto, com muito proveito para a composição desta hipotética crônica. Recordo situações e fatos pretéritos e gasto um pouco do meu raciocínio avaliando bobices, questões futuras. Percebo que não vou bem das pernas na condução deste possível texto para publicar no domingo. Mas é dessa forma. A gente nem sempre governa; certas vezes somos governados pela escrita que supomos apreender e tentamos moldá-la.

Não desejo, porém, descambar para o velho e repisado tema do processo de redação. Não estou a fim de chover no molhado. Melhor dizer algo mais a respeito dos galos, que seguem firmes com as suas canções gregorianas. Há também alguns grilos estridulando em miúdos esconderijos nas imediações.

Em breve explodirá a algazarra dos pássaros que ocupam o condomínio da mangueira no quintal da casa aos fundos. Imagino que consigo ouvir alguns pipilos daqueles bichinhos alados mais madrugadores. Volto à cafeteira e pego outra meia xícara. Dizem que não é algo saudável tomarmos em jejum.

Confiro a temperatura: vinte e dois graus. Seria uma bênção se ao meio-dia não chegasse aos trinta e sete ou mais; isso com sensação térmica de quarenta. Dou seguimento a estas linhas já um tanto cabeceando. É o que estou dizendo. Apesar dos tragos moderados de café, parece que a sonolência está de volta. A passarada iniciou sua festança nos ramos da portentosa mangueira do vizinho.

A solidão me faz companhia na maior parte do tempo. É verdade. Vivo só há quase vinte anos. Estou habituado. Mas existem ocasiões em que penso que baterei as botas a qualquer instante sem que ninguém fique sabendo. Sentirão minha falta depois de longo tempo e aí um chaveiro dará um jeito de abrir a porta. Desse modo encontrarão o meu corpo em avançado estado de enrijecimento.

Mas não falemos (perdoem este sapateiro das letras) acerca dessas questões funestas, de nada disso que possa representar melancolia, baixo astral nem pessimismo. Não posso morrer agora. Como eu costumo dizer, o preço do caixão está pela hora da morte. Quiçá as Olimpíadas sejam uma boa saída; assunto melhor para se abordar. Acontece que estou por fora dos jogos olímpicos. Tenho visto meramente um fragmento aqui e outro acolá quanto aos eventos esportivos que se passam em Paris. Futebol?! O tal do Brasileirão?! Está por completo longe do meu campo de interesse. Não tenho nadica de nada a dizer concernente a esse aclamado esporte.

Bem, prezados leitores, é chegado o momento de colocarmos um ponto final nessa conversa-fiada. Espero que noutra circunstância, quando a literatura estiver menos arisca, menos arredia, eu lhes ofereça uma narrativa digna do tempo e atenção de vocês. Escrever não depende tão somente de vontade própria.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Inacio Rodrigues diz:

    Marcos Ferreira quando nada tem a dizer, consegue dizer tudo! Como é bom ler Marcos Ferreira!

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu prezado Inácio Rodrigues, boa tarde. Muito obrigado por sua leitura e opinião. Além disso, amigo, fico sempre contente com o carinho que me dedica neste espaço. Desejo uma ótima semana para você, saúde e paz. Abraços.

  2. Odemirton Filho diz:

    Bem-vindo de volta, meu querido Marcos Ferreira. O nosso time fica desfalcado sem o seu camisa 10.
    Bola pra frente!
    Um forte abraço, amigo.

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido Odemirton Filho,
      Você é um xodó deste seu amigo e cronista do Blog Carlos Santos. Nossa amizade só aumente e se fortalece, ultrapassando os muros do Blog. Sou feliz por contar com sua amizade, que é recíproca. Abraços.

  3. Bernadete Lino diz:

    A primeira coisa a se destacar é que você está de volta! Veio alegrar o domingo dos Pais! Parabéns! Outra coisa é uma confissão: quando você fez sua crônica de despedida, conversei com João Bezerra de Castro, o nosso amigo Joãozinho. Confidenciei com ele de que estava preocupada com a sua “retirada” das crônicas dominicais. Joãozinho me tranquilizou dizendo: escrever é a vida de Marcos. Se ele, que o conhece há muitos anos, me falou isso, eu só precisava esperar o tempo! Torcer que o retorno não demorasse! E deu certo! Estou feliz com a sua volta! Desejo que fique feliz ocupando esse espaço! E que sinta-se muito à vontade. Tão à vontade que não se afaste novamente. Bem-vindo de volta! Abraço e boa semana!

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga Bernadete,
      Grato por suas palavras de boas-vindas, de apreço ao meu retorno, e bendigo a felicidade que é ser seu amigo. Amizade esta que teve a grande contribuição do nosso querido João Bezerra de Castro. Desejo uma ótima semana para vocês, com muita saúde e paz.
      Abraços.

  4. Marcos Araujo diz:

    Ele voltou!!!
    O gênio da escrita nos brinda com sua sabedoria.
    Com o enredo e tessitura de palavras e expressões que reúne de música (Belchior) à ecologia (árvores e pássaros), de farmacologia (quetiapina) à psicologia sociológica (solidão, reflexão de vida…), aula de vida, esperança, estímulo de escrita…
    Tudo isso em seis parágrafos.
    Feliz demais pelo seu retorno, xará!

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu querido xará Marcos Araújo,
      É uma honra contar com a sua amizade e os seus comentários acerca destas minhas crônicas domingueiras. Sua inteligência é uma estrela fulgurante. Você, como poucos, tem o dom da palavra, é um valioso manejador da nossa bela Língua Portuguesa. Grato pela leitura e o carinho de sempre. Estou no aguardo para aquele nosso cafezinho de final de tarde. Arrume um brecha aí na sua apertada agenda.
      Abraços.

  5. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Olá, Marcos!

    Que alegria, tê -lo de volta!
    Isso já é tudo!

    Abraços

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga, poetisa e cronista Vanda Jacinto,
      Obrigado. Sempre bom contar com sua leitura e opinião. Arrume um tempinho para conhecer minha casa. Você, Jacinto e o nosso amigo escritor Raimundo Antonio de Souza Lopes são muito bem-vindos.
      Abraços.

  6. Francisco Amaral CAMPINA diz:

    Parabéns companheiro,
    Feliz dia dos pais.

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu prezado Francisco Amaral Campina,
      Boa tarde. Feliz dia dos pais para você também, mesmo com atraso. Desejo uma semana com muita saúde e paz para você e sua família.
      Abraços.

  7. Francisco Nolasco diz:

    Marcos Ferreira é essa alma arredia que apigora os grilhões do nosso tempo. Um ser iluminado revestido na tecitura do bem dizer literário. Tê-lo aos domingos constitue para todos os seus leitores um prazer indescritível.
    Valeu, amigo Ferreira!

  8. Simone Martins de Souza Quinane diz:

    Meu querido,
    Feliz com o seu reencontro com a escrita, com as letras, com o seu público, que estava ansioso pelas suas crônicas dominicais.
    Grande abraço!

    • Marcos Ferreira diz:

      Minha querida professora e amiga Simone,
      Boa tarde.
      A escrita é o meu “bálsamo benigno”, como na linda canção do Caetano Veloso. Eu também, portanto, fico feliz por estar de volta. Surgirão momentos falta de inspiração, porém a gente não pode entregar os pontos. Não por muito tempo.
      Abraços.

  9. Bruno Ernesto Clemente diz:

    Que retorno retumbante, Marcos! Que bom tê-lo novamente conosco!

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido amigo escritor Bruno Ernesto,
      Voltei bem antes do que eu imaginava. E que bom contar com suas boas-vindas. Forte abraço e uma semana com saúde e paz para você e sua família.
      Abraços.

  10. Valdemar Siqueira Filho diz:

    Bom dia, lindo texto e precisa mais? Parabéns.

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu querido professor Valdemar Siqueira,
      Muitíssimo obrigado pela recepção e carinho. Uma ótima semana para você e Bete.
      Abraços.

  11. ROZILENE FERREIRA DA COSTA diz:

    Maravilha celestial saber do seu retorno, meu nobre Marcos. Da mesma maneira que precisamos todos ouvir as belas composições de Belchior ( entre outros) as quais nos levam às reflexões, fazer a leitura das suas crônicas é um bem mais que imprescindível. É uma prioridade. Uma espécie de cura. Um vício literário. Parabéns por essa belíssima capacidade. Bom dia a todos.

    • Marcos Ferreira diz:

      Minha querida amiga Rozilene Ferreira da Costa,
      Boa tarde. Não tem como a gente não se sentir inspirado e motivado diante de suas palavras sempre tão encorajadoras. Você possui (preciso dizer) um inegável talento para lindar com nosso idioma. É admirável ler e ver o quanto você escreve bem. Muito obrigado pelo carinho e opinião.
      Abraços.

  12. Airton Cilon da Silva diz:

    Bem vindo de volta poeta e escritor Marcos Ferreira. De volta ao exercício da palavra. Aqui muito se espera de sua lavra. Braços

  13. RAIMUNDO ANTONIO DE SOUZA LOPES diz:

    É assim mesmo, Marcos. Madrugada dormida pela primeira metade se torna insone na sua segunda metade. Menos mal, já que desta vez o motivo, parece-me, foi positivo. O cheiro de café… Ai que saudade me dá.
    Bem-vindo!

  14. Professor Tales diz:

    A solidão dói, mas a solitude é maravilhosa no processo onde finalmente conseguimos um autoreconhecimento!

    Forte abraço meu amigo, poeta e escritor marcos!

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