Por Marcelo Alves
Já tratei algumas vezes da mistura da arte – e, aqui, falo sobretudo da arte decorativa, pintura, escultura, utensílios decorativos etc. – com o direito. Recordo-me bem dos textos “Decorativas e descritivas” e “Direito no Louvre”, nos quais registrei a “desproporção” da presença do direito nas artes decorativas, em prejuízo destas, comparada com a presença nas artes descritivas, o romance e o teatro, em especial.
Tornou-se clássica assertiva de Enrico Ferri (em “Os criminosos na arte e na literatura”, Ricardo Lenz Editor, 2001), passando sobretudo em revista o mundo artístico dos “tipos criminosos”: “é sua maior frequência nas artes descritivas – literatura ou drama – do que nas artes decorativas – pintura e escultura”.
A assertiva de Ferri é corroborada por Christos Markogiannakis (em “Scénes de crime au Louvre”, Éditions Le Passage, 2017), que replica: “nas artes narrativas, nove em cada dez obras, drama, romance ou comédia, contêm um ou mais crimes; nas artes visuais, a proporção é inversa: uma em cada dez pinturas – menos ainda nas esculturas – representa um crime, como tema principal ou secundário”.
Concordo com os autores acima citados. A desproporção existe, sim. Mas isso não impede que eu faça uma propaganda em prol do estudo do direito por meio das artes decorativas. E o faço citando mais três livros que são do balacobaco (para usar de uma expressão fora de moda).
O primeiro é “O espelho infiel: uma história humana da arte e do direito” (Nova Fronteira, 2020), de José Roberto de Castro Neves. Talvez vocês já conheçam o autor por “Medida por Medida – O Direito em Shakespeare”, “A Invenção do Direito”, “Como os Advogados Salvaram o Mundo”, entre outros livros.
Em “O espelho infiel” consta já na contracapa: “Arte e direito. No imaginário popular, duas esferas que parecem extremamente distantes. De uma se dirá que é lúdica, criativa, sentimental. Da outra, que é séria, inflexível e árida. O espelho infiel, porém, veio para derrubar essa visão. Nestas páginas ricamente ilustradas, o advogado e escritor José Roberto de Castro Neves revela que existe muito mais em comum entre arte e direito do que poderíamos pensar: ambos são expressões da nossa humanidade que, ao longo da História, se aproximaram de maneira instigante, rendendo anedotas e controvérsias memoráveis. Com uma linguagem simples e direta que nos conduz pelas mais diferentes épocas, muitos desses episódios são aqui relatados e acabam por ampliar os horizontes intelectuais e estéticos do leitor, a fim de que conheça melhor a magnanimidade (e também a pequenez!) do espírito humano”.
É isso mesmo. Tamojunto!
O segundo é “Semiótica, Direito & Arte: entre teoria da justiça e teoria do direito” (Almedina, 2020), de Eduardo Carlos Bianca Bittar. Originalmente publicado em inglês (também em 2020), é um livro diferente do anterior. É mais acadêmico, especializado e profundo, posso dizer. O livro procura “recobrir um importante campo de investigação dentro da Semiótica do Direito, especialmente este direcionado aos temas da Justiça. E esse exercício se completa através da mais completa conexão entre Direito & Arte”.
Fazendo uso das ferramentas da semiótica, o livro “significa” o direito na arte, na pintura, no teatro, na arquitetura, na cultura e por aí vai. E o livro também é “o registro da disciplina intitulada Semiótica, Justiça & Arte, que foi criada em 2020 de forma pioneira no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Assim, do ponto de vista local, para a literatura brasileira sobre o tema, o livro tem um papel inovador, e, do ponto de vista global, para a literatura mundial sobre o tema, o livro se soma a uma série de estudos e esforços que vêm se multiplicando no sentido do fortalecimento da Visual Jurisprudence”.
Por fim, cito “Law: a Treasury of Art and Literature” (de 1990, editado por Sara Robbins para a Beaux Arts Edictions). É um livro enorme, daqueles que usamos para decorar mesas. Com texto e muitíssimas imagens. Cerca de duzentas. Belíssimas. Nunca esqueci onde e quando comprei o dito cujo: na Casa dos EUA, no Epcot Center, no Walt Disney World, há muitos anos. Foi uma luta para trazê-lo na mão, com temporários arrependimentos dos meus pais e meu. Mas costumo dizer que ele é o livro mais bonito que possuo. É, em si, uma obra de arte. Maravilha.
Pensando bem, vou dar uma xeretada em “Law: a Treasury of Art and Literature”. Agora que não temos mais diariamente o “jogo bonito” da Copa do Mundo, ando “meio assim sei lá”. Depressão pós-copa antecipada? Bom, quem não tem futebol-arte caça com direito-arte mesmo.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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