Martins-RN, janeiro de 1995. Na praça da Matriz, a conversa rolava solta. Nem percebíamos que a noite avançava na madrugada fria. Éramos cinco: Manoel Barreto, Fernando Gondim e Conceição, Vilani e eu.
A prosa descontraída, que tinha começado pelo inevitável comentário sobre a movimentação da festa da padroeira, singrava outros caminhos: economia, turismo, gastronomia, religião, etc. Mas, nosso interesse mesmo era ouvir Manoel, que debulhava uma série de interessantes histórias.
Somente de sua experiência como representante comercial da Gessi Lever, durante três ou quatro décadas, contou-nos tantos casos que, reunidos, ensejariam um belo “manual do vendedor”. Não para o ávido vendedor preocupado somente com o dinheiro ou com a venda pela venda. O manual, certamente, serviria àquele que desejasse conquistar o cliente pelo convencimento de produtos sem escamoteações.
Encantava-nos anarração dos diálogos ocorridos pelos caminhos comerciais: argumentos, réplicas e tréplicas, todos reconstituídos ipsis litteris. Tipos humanos que conheceu ao longo da jornada, situações embaraçosas e suas extraordinárias saídas. Tudo entremeado com sonoras gargalhadas.
E a política? Perguntamos.
Aposentava-se da iniciativa privada quando foi convidado, em 1982, para disputar a prefeitura de sua terra. Ele era aquele filho que, mesmo distante, vez por outra estava na cidade e, com isso, não perdia o contato e o conhecimento da situação local. Aceitou e ganhou. Administrou com gana.
Dessa primeira experiência no executivo, falou-nos, principalmente, do impacto que sofrera ao deparar-se com alarmantes distorções observadas no seio da gestão pública. Como o apóstolo São Paulo, combateu o bom combate e guardou a fé. Ao término da missão, retornou a Fortaleza para, finalmente, ‘curtir’ a aposentadoria.
Quatro anos depois, outra convocação e novo apelo de seus conterrâneos. E, como guerreiro que não fugia à luta, voltou e novamente foi eleito. À época de nosso encontro, estava na metade do segundo mandato. Não reclamava — pois em tudo demonstrava um entusiasmo superior —, mas falou das dificuldades de imprimir um ritmo desejado.
Para ele, era impossível conviver com uma administração eivada de vícios. Porém, não desistia, mesmo remando contra a maré. Bem, pelo que sei, novamente cumpriu a tarefa e, ao fim e ao cabo, recolheu-se à capital alencarina. Com mãos limpas, sem nódoas, sem manchas. Pobre, é verdade, todavia com a consciência tranqüila.
Apesar de em nossos dias, pela completa inversão de valores, a honestidade ter pouco valor, ainda existe quem pense diferente. Quando li, em uma curta notinha jornalística, a notícia de seu falecimento, lembrei-me imediatamente do desfecho da nossa conversa naquela madrugada martinense.
Alguns jovens, na mesa ao lado, movidos pelo excesso de álcool, travavam forte discussão que beirava as vias de fato.
Manoel olhou a arruaça e, voltando-se para nós, contou uma história de sua juventude:
— Quando íamos para uma festa, geralmente naquela saída meio protocolar, nosso pai apenas dizia: “Quando chegar a hora de vir embora, venham.” Por não alcançarmos o entendimento da mensagem, um dia perguntamos: “Papai, e como saberemos a hora?”
Ele, magistralmente, respondeu: “Meus filhos, a hora de voltar pode ser no começo, no meio ou no fim da festa. Quando quebrarem um copo, por alguma alteração, por exemplo, não esperem que quebrem o segundo, pois a hora do retorno chegou.”
Como os grandes homens, Manoel Barreto de Medeiros também guardava sábios ensinamentos.
David de Medeiros Leite – Advogado e professor da Uern – david.leite@uol.com.br
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