• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 06/10/2013 - 09:25h

Me enganei com minha noiva

Por Luiz Campos

Quando sorteiro eu vivia
Era o maió aperreio
Divido eu sê muito feio
As moça num mi queria
Quando prum forró eu ia
Com quarqué amigo meu
Eles confiava n’eu
Ia bebê e dançá,
No fim da festa, arengá,
E quem ia preso era eu!

E para arranjá  namoro
Eu toda vida fui mole,
Cantei samba, puxei fole,
Usei o cabelo louro
A boca cheia de ouro
Chega brilhava de dia
Pra toda parte que eu ia
Cheirava feito uma rosa
Mas quando eu caçava prosa
As moça num mi queria.

Eu dixe: – É catimbó
Que alguém butou e num sai
Que mãe casou cum papai
Vovô casou com vovó
Inté meu irmão Chicó
Muito mais fei do que eu
Namorou, casou, viveu
Cum quatro muié inté
Só eu num acho muié
Qui queira se esfregá n’eu???

Mas o diabo descuidou-se
E Deus do Céu se esqueceu
Vicença me apareceu
Cum uns zoião de bico doce…
Nosso oiá se misturou-se
Cuma feijão cum arroz
Se abufelemo nóis dois
Num zamô tão violento
Que maiquemo o casamento
Pra quatro dias depois.

No dia de se amarrar
Se arrumou eu e ela
Dei de garra da mão dela
Fui pra igreja casá
Cheguei nos pé do artá
Recebi a santa bença
Jurei num tê disavença
Entre eu e minha esposa
O pade dixe umas cousa
E eu fui vivê mais Vicença.

Cheguei in casa mais ela
Fui logo me agazaiando
Qui mermo eu ia pensando
Em drumí com a costela
Vicença fez uma novela
Por dentro da camarinha
Quebrou uns troço que tinha
E me amiaçô na bala
Findou drumindo na sala
E eu fui drumí na cunzinha!

Da vida eu perdi o gosto
Pruquê Vicença fez isso
De menhã fui pru serviço
Mas pra morrê de disgosto
Cheguei im casa o sol posto
Vicença me arrecebeu
Inté um café freveu
Butou pra nós dois tomá
Mas quando foi se deita
Nem siqué oiou pra eu.

Da vida eu perdi a crença!
De nome chamei uns trinta!
Botei a faca na cinta
E fui falá cum Vicença…
Ela deu uma doença
Quando eu falei de amô
E preguntou: – O sinhô
Pensa qui eu sou o quê?
Eu só casei cum você
Mode fazê um favô!

Bati com ela no chão
Puxei a lapa de faca
Torei-lhe o cós da casaca
E o elastro do calção…
Vicença tinha razão
De num querê bem a ieu…
Num era cum nôjo d’eu
E nem pruquê fosse séra
Sabe Vicença o que era?
ERA MACHO, QUI NEM EU!

Eu muito me arrependi
Pruquê me casei cum ela
Dei de garra da mão dela
E de menhã devorví
Grande disgosto eu senti
Qui quage morria, inté,
Home em traje de muié
Tem munto, de mundo afora
Só caso cum outra agora
Sabendo logo quem é.

Luiz Campos (1939-2013) – Poeta popular mossoroense

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Categoria(s): Poesia

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Admirável a criatividade de Luiz Campos. A inteligência, a capacidade de improvisar e gerar poemas são traços marcantes dos nordestinos. Insuperáveis!

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