• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 22/06/2014 - 20:42h

Merecemos ser estrangeiros

Por François Silvestre

O povo brasileiro também merece ser estrangeiro. Ou melhor, ser tratado como aqui se tratam os turistas ou visitantes ilustres de outras plagas. Não confundir com pragas. Ter segurança de estrangeiro, tratamento de estrangeiro, paparicação de estrangeiro.

Nada contra os estrangeiros, muito pelo contrário, apenas desejo de um tratamento similar.

Se os estádios onde os estrangeiros vão jogar são drenados e refratários aos alagamentos. Nós também queremos ruas drenadas, como se também fossemos estrangeiros. Para nelas jogar as peladas da vida, do trabalho, da educação, saúde, cultura; com segurança de estrangeiros.

Se as delegações estrangeiras deslocam-se com segurança dos hotéis para os campos, dos campos para as praias, nas ruas, festas e passeios, nós também queremos segurança para andar no trânsito, ir aos supermercados, à praia, às padarias, farmácias, aos bancos.

Quero minha dupla nacionalidade. Sem abrir mão de ser brasileiro, reivindico o direito de ser holandês, francês ou alemão. Desde que mereça o tratamento que eles merecem.

Prefiro a África. Mas os africanos são brasileiros que também não deram certo, como diria Parreira, que afirmou ser a CBF o Brasil que deu certo. Certo pra quem, cara impálida?

No embate entre qualquer país da África contra qualquer time da Europa, eu sou África. No confronto entre as Américas eu sou, de lavagem, as terras cá da América Latina.  Nada contra os americanos do Norte, mesmo que mereça ser contra tudo do que de lá se faz contra os daqui.

Diferentemente de alguns ilustres descendentes da África de Castro Alves, prefiro Mandela a Churchill. Mas há ilustres ilustríssimos que preferem falar alemão, inglês, francês, mesmo que não saibam pronunciar uma única frase em banto, nagô ou haussá. Línguas nas quais seus ancestrais espantavam os demônios e urravam baixinho as dores da escravidão.

O que se pode fazer contra os preconceitos e preconceituosos? Nada. Ou melhor, tudo. Basta ignorá-los. Dando ou comendo bananas. O pior de todos os preconceitos é aquele que esconde a insatisfação do próprio possuidor daquela condição.

Mas voltemos ao apelo inicial. Também quero ser estrangeiro. Tomando cerveja ou cachaça. Comendo paçoca com banana prata. Dormindo em rede, no alpendre, como se fazia antigamente, quando havia segurança de estrangeiro.

Vem a memória os veraneios de Muriú. Tota Zerôncio, Roberto Furtado, Décio Holanda, Jair Navarro, Lenilson Carvalho, Omar Guerreiro, Aécio Emerenciano, Rui Pereira, Wellington Aires do Couto, Petit das Virgens. Quem deixasse seus pertences de um veraneio para outro, numa casa ou noutra, encontrava-os  intactos no ano seguinte.

Segurança que hoje é privilégio dos estrangeiros. Dividimo-nos entre nativos assustados e nativos bandidos.

Estiro a baciínha de esmolar: Uma nacionalidade, pelo amor de Deus!

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente extraído do Novo Jornal.

 

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo / Crônica

Comentários

  1. NÓBREGA diz:

    A crônica de François revela o que já esperávamos: a baixa relação social benefício/custo da Copa do Mundo. Pelo lado dos custos, destaque-se o elevado dispêndio financeiro na construção de estádios e obras de mobilidade urbana implicando em um passivo monetário a ser honrado pelo nosso estado ao longo de muitos anos a seguir. Em termos de custos sociais registre-se a destruição de creches e de um estádio prontinho para dar lugar ao Arena das Dunas como se um estado pobre como o nosso pudesse se dar a tal luxo.
    No que tange aos benefícios, acreditava-se na alavancagem do turismo certamente ignorando o fato de que não dispomos de uma Indústria Turística estruturada uma vez que até a Secretaria de Turismo se mostra bastante inoperante a não ser quando se trata de pavimentar a candidatura de algum político obscuro. Quanto às obras de mobilidade urbana que compensariam a população pelo desvio de recursos de setores básicos como saúde, segurança e educação, não foram integralmente concluídas e mesmo que venham a ser ficarão aquém do que políticos apregoavam quando defendiam Natal como sede de quatro jogos preliminares.
    Pelo visto, só nos resta reclamar das péssimas condições sociais vigentes no Brasil como fez o articulista François que, pelo visto, não dão sinais de melhora. Basta analisar o período eleitoral em curso muito similar a Copa quando partidos políticos são comparados a times de futebol onde se discute a forma e não o conteúdo, sem dar a mínima importância a projetos e propostas e, o mais grave, ignorando o caráter e a ética de muitos postulantes a cargos públicos com foco apenas em estratégias de palanques em uma eleição que infelizmente acena com poucas perspectivas de mudança.
    Finalmente vou me permitir discordar de François apenas no que se refere a sua predileção pela África comparada às civilizações europeias. Estas últimas de alguma forma nos proporcionaram o progresso material e econômico que desfrutamos em que pese à concentração de renda em nosso país em grande medida culpa nossa a começar pela forma como escolhemos nossos dirigentes. Enquanto na África vicejam ditaduras sangrentas, guerras fraticidas e surgimento de grupos terroristas como o Boko Haram simpatizante do islamismo que recentemente sequestrou 200 adolescentes na Nigéria. Por esses motivos aquele contente merece não a admiração, mas a nossa preocupação em termos de incentivar a mobilização e cooperação internacional para que consiga encontrar o seu próprio caminho.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    De fato, ficamos em estado de perplexidade ao constatarmos a segurança oferecida aos estrangeiros, segurança que desconhecemos pois não faz parte de nossas vidas.
    Copa sem benefícios para os brasileiros, quer passar imagem irreal de condições que não temos.
    Ao ver tamanhos festejos às outras nacionalidades, uma segunda nos cairia bem, muito bem, François Silvestre.
    Somos, indiscutivelmente, produto de intensa miscigenação. Somos Bantos, Nagôs, Jêjes, Ketus, sem esquecermos, claro, em nossa etnia , os indígenas. De todos eles temos marcas em nossa cultura, religião, alimentação, etc… Sou grande apreciadora de Mandela, para mim, um dos maiores exemplos para a humanidade.
    Nóbrega fala-nos da chaga nigeriana: o movimento islâmico Boko Haram que aplica métodos terroristas sob o pretexto de que a educação ocidental ou não islâmica é um pecado. Deus do céu, o Boko Haram me atemoriza, arrepia. É o mal em sua última instância. “Mama Africa” vive luta fratricida, como disse Nóbrega.
    Necessária a intervenção internacional, para que os seios das adolescentes nigerianas, após o estupro, não tenham os mamilos lixados se não se converterem ao propósito do Boko Haram, para que esse derramamento de sangue monstruoso pare.
    Então, amo a África e me pego chorando por ela.

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.