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domingo - 04/08/2024 - 14:34h

Métrica, rima e oração – base para uma boa produção poética

Por Aldaci de França

Reprodução de J. Borges

Reprodução de J. Borges

A cantoria nordestina é uma manifestação da cultura popular, fulgurante na região desde o início do Século XIX e teve o seu ponto de partida na Serra do Teixeira-PB. Por lá, os seus primeiros atores a praticavam em forma de trova medieval (estrofe de quatro versos).

Posteriormente, o paraibano Silvino Pirauá de Lima, repentista, pesquisador e cordelista ofertou o acréscimo de mais dois versos, o que proporcionou o surgimento da sextilha, estrofe de seis versos. Rima-se o segundo verso com o quarto e o sexto; para o primeiro, o terceiro e o quinto, não há necessidade da rima.

Conforme Aurélio e Houaiss (2010), Pirauá criou também o martelo malcriado em dez pés, decassílabos, desafio ainda hoje solicitado nas cantorias de pés-de-parede, principalmente pelos mais veteranos apologistas do repente. Contudo, esses gênero da cultura popular não teria brilho nem estética plausível, sem a sua técnica básica: rima, métrica e oração, critérios fundamentais para uma boa produção poética, concernente à prática da poesia oral cantada pelos cantadores, repentistas e na poesia escrita (cordel e poemas em formatos diversos).

Métrica, rima e oração, em 1946, já eram praticadas pelo repentista Pinto do Monteiro e pela trindade dos Batista: Dimas Lourival e Otácilio, no Teatro Santa Izabel em Recife-PE, na primeira cantoria oficial da Veneza Brasileira, ação promovida pelo escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, como ele mesmo disse na Apresentação do Livro dos Repentes, organizado por Jeci Bezerra e Ésio Rafael (1991). Certamente esses poetas seguiram os seus antepassados, nesse aprendizado.

Esse critério é indispensável nos desafios de repentistas por ocasião da realização dos festivais, e, é atentamente observado no julgamento das duplas de repentistas nesses eventos que melhor difundem a cantoria nordestina. E se perguntarmos, qual a justificativa para a implacável exigência de métrica, rima e oração nos eventos de Cantoria?

Indubitavelmente, a resposta convincente passa pela ideia de que toda produção literária, tem a sua técnica própria de narração que melhor adorna esteticamente a obra. Exemplo: o soneto não seria tão interessante, se não fosse composto por dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos), com os versos rimando entre si, com métrica de dez sílabas, onde o autor procede com fidelidade ao desenvolver a temática escolhida. Entrelaça tudo na construção poética, rima, métrica e oração, regra que deve ser aplicada tanto na poesia improvisada quanto na escrita.

Concluindo, deixo para o leitor um dos sonetos que podem servir de esclarecimento da regra básica da poesia popular nordestina. Assim, conheçamos um dos nossos trabalhos poéticos extraído do livro (VERSOS EM FORMS DIVERSAS, segunda edição, Sarau das Letras, P.49, FRANÇA, Aldaci de.).

Longe de Reclamos

Não tenho um segundo para reclamar
Mas tenho uma vida para ser feliz…
Uma estrada longa para caminhar
E poder chegar onde sempre quis.

Em dificuldades nem quero pensar,
Peço autoestima pra quem se maldiz;
Da dor da ferida, nem quero lembrar
Ou chorar as mágoas dessa cicatriz!

Vou sorrir dizendo a quem me escuta:
“Soldado guerreiro não foge da luta”,
Nem teme arranhões de ponta de espinho!

Porque as batalhas perdidas e ganhas
Que empreendi em tantas campanhas,
Deixaram-me o norte do melhor caminho…

Aldaci de França é poeta, repentista, escritor, cordelista e coordenador dos Festivais de Repentistas do Nordeste no Mossoró Cidade Junina

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Kátia do valle diz:

    Parabéns! Muitas felicidades

  2. Pedro Jales diz:

    Muito oportuna essa explicação do grande poeta Aldací de França. Meu ex-colega do curso ginasial.
    Interessante que àquela época, o mesmo não demonstrava esse interesse pela poesia.
    Eu depois de já quase chegando à terceira idade, passei fazer alguns versos pé quebrado, sem a pretenção de ser considerado “poeta”, pois esse título pertence aos legítimos que sabem usar a rima, métrica e oração.
    Vejamos:
    Reverso…
    Não uso métrica nem rima
    Apenas escrevo descompassado
    Se sair algo interessante
    Me surpreendo com a novidade
    Talvez a culpa seja do leitor
    Que interpretou sem análise
    Esquecendo as regras poética
    Sem rima, sem métrica, sem nada.

    Pedro Jales

    • Aldaci Medeiros de França diz:

      Grande amigo e fomos contemporâneos no Ginásio Comercial de Patu. Agora que percebi seu comentário. Abraço forte

  3. Marcos Pinto. diz:

    E por falar em poesia do Repente, lembro de uma rima de um antigo Poeta (José Oliveira, Oficial de Justiça) do lugar Varzinha, atual cidade Rafael Fernandes, próximo à Pau dos Ferros-RN :
    “ADMIRO O Pica-Pau
    Furando um pé de angico,
    De manhã faz taco-taco
    De tarde faz tico-tico
    Não sente dor de cabeça nem quebra a ponta do bico”.

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