domingo - 29/12/2024 - 13:08h

Meu amor de salvação

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa de Bruno Marques (Canção Nova)

Foto ilustrativa de Bruno Marques (Canção Nova)

Após não sei quantas publicações, eis que agora me dou conta de que não escrevi sobre a mais importante personagem que, vez por outra, menciono neste meu exercício de cronista. Pois é, não escrevi. Embora a tenha inserido nalguns textos prolixos acerca de assuntos vários, não a expus, todavia, como protagonista, com uma página apenas dela: minha adorável noiva Natália Maia.

Então, prezado leitor e gentil leitora, peço licença para discorrer, neste domingo de pássaros cantantes e céu azul, sobre alguém que, ao longo dos últimos seis anos (nosso namoro teve início aos 7 de setembro de 2015), só me tem dado alegria e orgulho de tê-la em minha vida. Exatamente! Se em outros momentos a enalteci em merecidos versos, que tornei públicos sem qualquer receio, hoje repito a indiscrição em prosa, nesta crônica de natureza tão pessoal quanto amorável.

Sei do risco que corro, em se tratando do interesse dos leitores, ao abordar um assunto tão íntimo. Tem nada, não. Creio que possuo algum saldo com vocês. Se não, botem aí na conta, que qualquer dia eu pago esse débito literário. Hoje não me furtarei em falar sobre Natália, ela que, antes do meu editor, é quem primeiro lê todas as produções que publico. Exceto esta. Porque é surpresa.

Imagino que agorinha ela acabou de acessar o Canal BCS (Blog Carlos Santos), já tomada banho e decerto bebericando a sua xícara de café matinal, para saber enfim o que danado escrevi para este domingo, posto que desta feita (estranhando desde ontem as minhas esquivas) ela não viu meu texto em primeira mão. Sim, inventei algumas desculpas, escondi-lhe a verdade com esse propósito bem-intencionado, e mantive estas páginas longe dos olhos de Natália até bem pouco.

— Cadê a crônica, hein? — ela perguntava.

Neste minuto, porém, não há mais segredo. O pano caiu; estou a descoberto perante ela. Muito em seu louvor eu gostaria de dizer, contudo sei que nada do que escreva será o bastante para dimensionar as qualidades de Natália Maia, uma pessoa cujo caráter e senso humanitário poucas vezes se encontram em meio ao rebanho da vida em sociedade, como diria o querido amigo Antônio Alvino.

O que mais posso referir sobre Natália? Há tanto o que ser dito de bom a respeito dela, eu que sou o seu maior admirador, mas agora reparo que as palavras começam a me faltar. Acontece. Entre outras coisas, às vezes ela tem o poder, a sutil capacidade de me deixar sem argumentos. Por outro lado, e com firmeza, é a grande incentivadora das minhas letras, da minha escrita. É quem me diz (na saúde e na doença, na tristeza e na alegria) que tenho futuro enquanto escritor.

Não sou um sujeito religioso, nunca fui, entretanto ouso dizer que Natália é um anjo bom que Deus colocou em meu caminho. Hei de ir embora primeiro, sinto que não vim a este mundo caótico para me demorar, mas desejo viver ao lado dela todo o tempo que ainda me resta. Portanto, agradeço ao Altíssimo por todos os dias, horas e minutos que tenho usufruído da companhia de Natália.

Foi ela, com o facho de luz do seu lindo coração, com a aura de um espírito superior, quem me resgatou das trevas em que estive durante tanto tempo, desacreditado de todos e até de mim próprio. Natália, prezado leitor e gentil leitora, devolveu-me a alegria de viver, convenceu-me de que a vida vale a pena, e me trouxe de volta o prazer da escrita, da leitura, meu gosto pela música e pelo cinema. Exatamente, senhoras e senhores, não foi apenas o arsenal de psicotrópicos.

Cheguei ao fundo do poço, a ponto de passar noites amarrado a uma cama de hospício desta cidade, dopado, o corpo cheio de dores, num deplorável estado de semiconsciência e torpor. E quando eu estava lá, caído nas sombras, na sarjeta mental, foi dela a mão que me resgatou. Cuidou dos meus ferimentos e todo dia me ensina a conviver com as cicatrizes que ficaram na minha alma.

É difícil falar sobre esta Natália sem exibir um pouco do meu histórico, por mais que o objetivo destas palavras seja prestar uma simples homenagem à musa do meu coração. Penso que outras mulheres (não culpo ninguém por isso) teriam me voltado as costas, desistido de mim nos primeiros sinais da minha doença. Ela, contudo, não o fez, não me largou naquele manicômio. Apostou no meu restabelecimento, não fraquejou, a todo instante apoiada na sua infinda, inabalável fé.

— Você vai ficar bom! — sempre afirmava.

Por que expor aqui coisas tão íntimas? Alguém deve questionar. Não me constranjo, não há problema algum em sermos justos e verdadeiros. Não perco mais tempo com certos pudores e hesitações. Hoje tenho mais passado que futuro e quero dizer às pessoas — inclusive a Natália — o que penso sobre elas, ainda que publicamente. Deixar isso para amanhã pode ser para nunca mais.

Os pássaros cantam, redemoinham na mangueira da residência aos fundos, numa incessante babel que me serve de trilha sonora para este depoimento em homenagem a Natália. O vento também produz barulho nos ramos e folhas da grande árvore, impulsionando o voejar do passaredo ao redor. Então eu gostaria que este relato fosse leve como o vento, agradável e alegre como o canto desses seres alados que orbitam a velha mangueira da senhora Francisca, minha vizinha.

Não só da mangueira advêm as aves que ouço nas imediações. Aqui próximo, por trás das casas do outro lado da rua, passa um córrego (talvez seco nesta época do ano) de onde vez por outra, além do estrídulo das nhambus, escuto o que me parece o pio de uma sericoia e também das rasga-mortalhas. Sobretudo durante as eventuais horas mortas em que me encontro nesta escrivaninha.

Antes, durante um longo período, eu não mais me dava conta de nada disso, da vida que pulsava no meu entorno, das coisas simples e belas da natureza. Tive que reaprender a enxergar e a ouvir muito do que havia esquecido. Natália, que posso chamar de meu amor de salvação, sem pieguice ou exagero, tal qual no romance do Camilo Castelo Branco, é responsável por tudo de bom que me tem acontecido ao longo destes seis anos que abarcam o nosso namoro e noivado.

É possível que o prezado leitor e a gentil leitora considerem esta declaração algo açucarado, quiçá démodé. Podem achar o que quiserem. Estão no seu direito. Acontece, porém, que de amargo hoje em dia eu só estou aceitando café. No mais, ao menos em literatura, um pouco de açúcar, só uma vez perdida, não faz mal a ninguém. Até porque o amor também é doce e nunca sairá de moda.

Marcos Ferreira é escritor

*Texto originalmente publicado no BCS no dia 10 de outubro de 2021.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Marcos Araujo diz:

    Li, pela segunda ou terceira vez, essa linda declaração de amor. Quando publicada em 2021, originariamente, já me impactara… E todas as vezes sou tomado pela mesma – e renovada – emoção. Não somente pelo contexto de quem declara, mas, para além disto, a resiliência e a perseverança de quem ama e a defesa da pessoa amada. Sou fã do escritor-declarante. E admirador da sua coragem e destemor. Somente homens corajosos e destemidos proclamam o amor aos “quatro ventos”. Até o nosso Fernando Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos, se acovardou. Dizia ele que “todas as cartas de amor são ridículas”. Adiante, numa auto-reparação, afirmava que “só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridiculas!”. Viva Marcos e Natália! Viva o amor!

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