• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 13/11/2011 - 03:43h

Morte de Ulisses

Por Márcio Dantas

Para os que têm pendor à errância
e a curiosidade pelo desconhecido,
nunca o farne de sair de casa cessa.
Para os que herdaram a maldição
de não quedar-se num canto,
de querer interagir e aprender,
cultivando a vinha ou consertando calçados,
em dias e trabalhos iguais, mesmos sóis e luas,
mesmos rostos que envelhecem aos poucos,
fica difícil se comprazer com o tédio
de constelações no firmamento, pálidas,
dizendo de uma garantia doméstica.
Nem filho amado ou esposa ditosa,
muito menos velhice de pai,
impedem o impulso maior de uma
nova jornada ao ignoto.
Navegando pelo então conhecido,
quer dizer, o que não mete medo,
o que diz de uma segurança (nem sempre certa),
o que o lenho palmilha sobre terras e águas,
da costa de Espanha até sua antípoda Ceuta,
cruzaram a estreita porta de Gibraltar,
para, açulado pela atávica vontade
de conhecer, sentir o sabor, experimentar o novo,
ouvir ritmos diferentes de vozes,
Para os que têm pendor à errância
e a curiosidade pelo desconhecido,
nunca o farne de sair de casa cessa.
Para os que herdaram a maldição,
adentram por imenso oceano desconhecido,
aceirando a recortada linha da África.
Eis que o preço do desejo irrequieto
pelo insólito, a paga e a purga de uma hybris
subjetiva buscando não os dois lados ditos naturais,
mas as ilhargas ignoradas das pessoas e coisas,
furnas onde, talvez, o mais precioso se resguarde.
Acontece que tudo tem seu fim.
Uma tempestade marítima afundou
o barco com seus tripulantes.
A sepultura, como não poderia deixar de ser,
foi as águas escuras do fundo do mar.

Márcio Dantas é poeta e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal do RN (UFRN)

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Categoria(s): Poesia

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