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domingo - 19/06/2016 - 08:22h

Nas pegadas dos tapuias paiacus da ribeira do Apodi (I)

Por Marcos Pinto

Sob  a  ótica  do  processo de colonização  e  povoamento  do  sertão  da  Ribeira  do  Apodi, as  narrativas de  pessoas  de idade  avançada produzem referências  comuns sobre  a  ferocidade comum  dos tapuias  paiacus  e   a  sua  captura  pelos  chamados  “homens  brancos”, geralmente  por  entradistas  e  Bandeirantes, investidos  de  suas  patentes  militares  comandado  homens  recrutados  em  sua  maioria  por Bandos , espécie  de  convocação  e  perdão  oficial a  criminosos,  geralmente  homiziados  nos  adustos  sertões.

Estranha-se  o  fato de  que  deliberada  omissão  dos  antigos  historiadores  em  admitirem  a  presença do  componente  étnico  indígena  no processo  de  ocupação  da  Ribeira  do  Apodi.

Oficialmente só se  tem conhecimento da  existência  de  uma  família  mameluca  apodiense, que é  a  família  MOTA, pelo  casamento  do português  Antonio  da  Mota  Ribeiro  com  a  mameluca  nascida em Apodi  JOSEPHA  FERREIRA  DE  ARAÚJO, filha  do  português  Carlos Vidal  Borromeu  e  da  índia  Isabel  de  Araújo, natural  de  Alagoas.

Como  se  vê, a  etnia  indígena  dessa  matriarca  não  é  apodiense.

Josepha  faleceu  no  sítio  Santa  Cruz, do  município  de  Apodi  a  17  de  Outubro  de  1792 (Vide  livro  “Velhos  Inventários  do  Oeste Potiguar”. Autor: Marcos  Antonio  Filgueira –  Coleção  Mossoroense –  Série  C –  Volume  740 –  Ano  1992).

Esses  renomados  historiadores  potiguares  relataram, com ênfase, apenas  a  participação  da  presença  branca.  Temos  também  um referencial  na  etnia  indígena  da   família  Diógenes   com  origem  no  Ceará, com  entrelaçamento  familiar  do  Sr.  Diógenes  Paes Botão com uma  índia  tapuia  paiacus  da  Ribeira  do  Jaguaribe, de  nome  Antonia  da  Purificação.

Em  Apodi, geralmente   encontramos  referências  a existência  de  caboclas-brabas, pegas  na  densa  mata  nativa  a  cavalos  e  a    dentes  de cachorros. O  referencial CABOCLAS-BRABAS atrela-se  ao  fato de  que  ficaram  assim  conhecidas nas  memórias  familiares de  famílias apodienses  com  etnia  tapuias  paiacus, relatando existências  de  antepassados  índios  e  índias  que  por  serem  filhos  de  alguns patenteados  militares  do  Terço  dos  Paulistas que  percorreu todos  os  sertões  da  então   Aldeia  do  Lago  Pody, matando  e  aprisionando nossos  indígenas.

Há  uma  forte  possibilidade  da  família COUTINHO  do  sítio  Rio  Novo  ser   descendente  do  índio  tapuia  paiacu  Amaro Coutinho, recrutado  pelo  Terço  dos  Paulistas, que  esteve na  então  Capitania  do  Rio  Grande  no  período    1688  a  1724.

Esse  famoso  grupo  militar  cometeu  um  verdadeiro  genocídio  indígena  em terras  potiguares, além  de  prenhar  índios  e  índias  que eram vendidos  para  os  engenhos  da  Capitania  de  Pernambuco.  Quando as  índias eram  belas, eram  inicialmente  escravizadas  para  a  seguir serem  esposas  desses  militares, sendo na  maioria  das  vezes  meras  amásias para  proliferação  do  sangue  do  homem dito  branco.

Os  tapuias  que  escapavam  a  sanha  do  homem  branco  escondiam-se nos  pés de serra  ou  nas  suas  chãs, escondendo-se  nas  furnas  e grotas, de  difícil  acesso.

Fugiam  a  todo  tempo  do  alastramento  da  fronteira pastorícia  do  Vale  do  Jaguaribe, no  Ceará. Foram  vorazmente  caçados  pelos  que comandavam as  famosas  “ENTRADAS”  colonizadoras, que  montados  em  cavalos  e  com  ajuda  de cães, domaram  a  brabeza  indígena.

Ainda  existem  relatos  esparsos  acerca  das  caboclas-brabas  na  Chapada  e  no   Vale  do  Apodi, onde  os  tapuias  passavam  a  maior  parte do  tempo nas  margens  das  lagoas  de  Apodi, Pacó  e Apanha-Peixe, como    também  nas  margens  dos  rios  Apodi  e  Umari.

É  o  renomado historiador  Luís  da  Câmara  Cascudo  quem  revela a rubrica  do  pioneirismo  na historiografia  regional, evocando  a presença  de  caboclas-brabas  como  componentes  da  genealogia  de famílias  da  região  Oeste  potiguar. O  nosso  celebrado  historiador  apodiense  faz  vários relatos  sobre  nossos  tapuias  paiacus  em  seus manuscritos, porém  nunca  fez  menção  à  alguma  família  apodiense com  etnia  indígena.

Segundo Câmara  Cascudo, inúmeras  famílias-troncos  do  Seridó  e  região  Oeste  tiveram  ancestrais  femininos  indígenas, caçadas  a  casco de   cavalo,  preferidas  pelo  fazendeiro-curraleiro, mãe  do  filho  favorito, vaqueiro exímio, multiplicador  de  fazendas.

Os  ditos  Caboclos-Brabos  remanescentes  dos  nossos tapuias foram  violentamente  recrutados  para  serem  enviados  para  a  famosa  Guerra do  Paraguai (1864-1870.

O  nosso  grande  historiador  conterrâneo Coriolano  relatava  em  suas  conversas,  até    hoje  contadas  nos   alpendres, que  o famoso  Alferes Rolim  Cavalcanti, comandante    de   recrutamento  forçado  de potiguares  para  envio a  Guerra  do  Paraguai, estivera  em Apodi tendo efetuado  violento  recrutamento de  caboclos-brabos  na  Várzea  de  Apodi, os  quais  amarrou-os  uns  aos  outros, conduzindo-os em  duas filas  para  a  Cadeia  de Apodi, onde  chegou  já  à   noite, passando  em  frente  à  casa  do  Capitão Vicente  Ferreira  Pinto (O  2º e filho  do  1º) que  era  pai  do  Coronel  Antonio  Ferreira  Pinto.

O velho  Capitão   vendo tão triste  cena,  não  se  conteve  diante  a  lamúria  e os  choros  das  mães  dos  caboclos, que  na  ocasião  rogaram sua  interveniência  para  libertar  os seus  filhos.  Mesmo  vestindo  pijama, dirigiu-se  ao Alferes  que  indiferente  continuou  a  marcha   rumo ao  prédio da   cadeia, falando  que  não iria  dar  ouvidos a  um  velho caduco  vestindo  pijama.

No  outro dia,  cedo ainda,  o  Capitão  Vicente Pinto  vestiu  o  seu  seu  imponente  e  vistoso  Fardão da  Guarda Nacional  com as  divisas   de  Capitão, e   dirigiu-se à  Cadeia, onde  se identificou  e  enquadrou  o  famoso  Alferes,  determinando  a  soltura dos  caboclos, e   a  imediata  retirada  do  afoito  militar  com a  sua   tropa, sob  pena  de  prendê-los  e  comunicar  via  Ofício ao  Presidente  da então   Província  do  Rio  Grande do  Norte.

Essa  louvável  e  intrépida   intervenção  do  velho  e  respeitado  político   rendeu-lhe   muitos  agradecimentos  das  famílias  dos  caboclos residentes  na  região  do  fértil  vale.

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Artigo interessante e de cunho educacional. Não conhecia os caboclos-brabos, nem as caboclas-brabas, pelo menos com essa alcunha. Neto entrando em período de provas. Avó, aqui, sabendo que não se fala mais em Descobrimento do Brasil. É Achamento. De fato, os portugueses não nos descobriram, já existíamos e tínhamos população: a indígena. Nos acharam e nos exploraram até o mais que puderam. Num desses dias, fiz um comentário aqui dizendo, mais ou menos, que estávamos sendo explorados e extorquidos pelo políticos como fôramos pelo portugueses. Recebi um e-mail que faz a comparação desse roubo,de forma específica. Tantos quilos, muitoooooooooooooooooooossssssssssssssss, em barras de ouro, em cana de açúcar e tudo o mais…procede o meu comentário.

    • Junior Denes da Sillveira diz:

      Interessante e valoroso artigo escrito pelo advogado pesquisador e escritor Marcos Pinto. Muito bom e preciso para pesquisas e aprimoramento do estudo indígena em nosso Rio Grande do Norte sobre tudo no Vale do Apodi e região alto e médio oeste potiguar.

      • Junior Denes da Sillveira diz:

        Amigo Marcos Pinto. Comente por favor sobre a passagem dos paiacus aqui nesse setor de Itaú a São Francisco do Oeste, a atuação deles já que eram os silvícolas que habitavam toda ribeira do Apodi.

  2. Prof. Genildo Sousa diz:

    Simplesmente fantástico esse documentário histórico sobre nossas raízes potiguares. Sou apodiense, das entranhas da Santa Cruz, terras da ribeira do Apodi. Dr. Marcos Pinto era prá está sendo entrevistado em agenda semanal na TCM, um canal sobre NÓS, os Potiguares. Depois de Câmara Cascudo, a Memória viva e fresca, é somente do Ilustre Dr. Marcos Pinto, historiador e pesquisador por mais de 40 anos de leitura e investigação sobre a antropologia e a sociedade potiguar. Parabens! estimando amigo e conterrâneo. Tenho muito orgulho de ser potiguar. Orgulho-me por ser apodiense. Tenho muita alegria por ter Dr. Marcos Pinto de Amigo e conterrâneo.

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