Por Marcos Pinto
Sob a ótica do processo de colonização e povoamento do sertão da Ribeira do Apodi, as narrativas de pessoas de idade avançada produzem referências comuns sobre a ferocidade comum dos tapuias paiacus e a sua captura pelos chamados “homens brancos”, geralmente por entradistas e Bandeirantes, investidos de suas patentes militares comandado homens recrutados em sua maioria por Bandos , espécie de convocação e perdão oficial a criminosos, geralmente homiziados nos adustos sertões.
Estranha-se o fato de que deliberada omissão dos antigos historiadores em admitirem a presença do componente étnico indígena no processo de ocupação da Ribeira do Apodi.
Oficialmente só se tem conhecimento da existência de uma família mameluca apodiense, que é a família MOTA, pelo casamento do português Antonio da Mota Ribeiro com a mameluca nascida em Apodi JOSEPHA FERREIRA DE ARAÚJO, filha do português Carlos Vidal Borromeu e da índia Isabel de Araújo, natural de Alagoas.
Como se vê, a etnia indígena dessa matriarca não é apodiense.
Josepha faleceu no sítio Santa Cruz, do município de Apodi a 17 de Outubro de 1792 (Vide livro “Velhos Inventários do Oeste Potiguar”. Autor: Marcos Antonio Filgueira – Coleção Mossoroense – Série C – Volume 740 – Ano 1992).
Esses renomados historiadores potiguares relataram, com ênfase, apenas a participação da presença branca. Temos também um referencial na etnia indígena da família Diógenes com origem no Ceará, com entrelaçamento familiar do Sr. Diógenes Paes Botão com uma índia tapuia paiacus da Ribeira do Jaguaribe, de nome Antonia da Purificação.
Em Apodi, geralmente encontramos referências a existência de caboclas-brabas, pegas na densa mata nativa a cavalos e a dentes de cachorros. O referencial CABOCLAS-BRABAS atrela-se ao fato de que ficaram assim conhecidas nas memórias familiares de famílias apodienses com etnia tapuias paiacus, relatando existências de antepassados índios e índias que por serem filhos de alguns patenteados militares do Terço dos Paulistas que percorreu todos os sertões da então Aldeia do Lago Pody, matando e aprisionando nossos indígenas.
Há uma forte possibilidade da família COUTINHO do sítio Rio Novo ser descendente do índio tapuia paiacu Amaro Coutinho, recrutado pelo Terço dos Paulistas, que esteve na então Capitania do Rio Grande no período 1688 a 1724.
Esse famoso grupo militar cometeu um verdadeiro genocídio indígena em terras potiguares, além de prenhar índios e índias que eram vendidos para os engenhos da Capitania de Pernambuco. Quando as índias eram belas, eram inicialmente escravizadas para a seguir serem esposas desses militares, sendo na maioria das vezes meras amásias para proliferação do sangue do homem dito branco.
Os tapuias que escapavam a sanha do homem branco escondiam-se nos pés de serra ou nas suas chãs, escondendo-se nas furnas e grotas, de difícil acesso.
Fugiam a todo tempo do alastramento da fronteira pastorícia do Vale do Jaguaribe, no Ceará. Foram vorazmente caçados pelos que comandavam as famosas “ENTRADAS” colonizadoras, que montados em cavalos e com ajuda de cães, domaram a brabeza indígena.
Ainda existem relatos esparsos acerca das caboclas-brabas na Chapada e no Vale do Apodi, onde os tapuias passavam a maior parte do tempo nas margens das lagoas de Apodi, Pacó e Apanha-Peixe, como também nas margens dos rios Apodi e Umari.
É o renomado historiador Luís da Câmara Cascudo quem revela a rubrica do pioneirismo na historiografia regional, evocando a presença de caboclas-brabas como componentes da genealogia de famílias da região Oeste potiguar. O nosso celebrado historiador apodiense faz vários relatos sobre nossos tapuias paiacus em seus manuscritos, porém nunca fez menção à alguma família apodiense com etnia indígena.
Segundo Câmara Cascudo, inúmeras famílias-troncos do Seridó e região Oeste tiveram ancestrais femininos indígenas, caçadas a casco de cavalo, preferidas pelo fazendeiro-curraleiro, mãe do filho favorito, vaqueiro exímio, multiplicador de fazendas.
Os ditos Caboclos-Brabos remanescentes dos nossos tapuias foram violentamente recrutados para serem enviados para a famosa Guerra do Paraguai (1864-1870.
O nosso grande historiador conterrâneo Coriolano relatava em suas conversas, até hoje contadas nos alpendres, que o famoso Alferes Rolim Cavalcanti, comandante de recrutamento forçado de potiguares para envio a Guerra do Paraguai, estivera em Apodi tendo efetuado violento recrutamento de caboclos-brabos na Várzea de Apodi, os quais amarrou-os uns aos outros, conduzindo-os em duas filas para a Cadeia de Apodi, onde chegou já à noite, passando em frente à casa do Capitão Vicente Ferreira Pinto (O 2º e filho do 1º) que era pai do Coronel Antonio Ferreira Pinto.
O velho Capitão vendo tão triste cena, não se conteve diante a lamúria e os choros das mães dos caboclos, que na ocasião rogaram sua interveniência para libertar os seus filhos. Mesmo vestindo pijama, dirigiu-se ao Alferes que indiferente continuou a marcha rumo ao prédio da cadeia, falando que não iria dar ouvidos a um velho caduco vestindo pijama.
No outro dia, cedo ainda, o Capitão Vicente Pinto vestiu o seu seu imponente e vistoso Fardão da Guarda Nacional com as divisas de Capitão, e dirigiu-se à Cadeia, onde se identificou e enquadrou o famoso Alferes, determinando a soltura dos caboclos, e a imediata retirada do afoito militar com a sua tropa, sob pena de prendê-los e comunicar via Ofício ao Presidente da então Província do Rio Grande do Norte.
Essa louvável e intrépida intervenção do velho e respeitado político rendeu-lhe muitos agradecimentos das famílias dos caboclos residentes na região do fértil vale.
Marcos Pinto é advogado e escritor
Artigo interessante e de cunho educacional. Não conhecia os caboclos-brabos, nem as caboclas-brabas, pelo menos com essa alcunha. Neto entrando em período de provas. Avó, aqui, sabendo que não se fala mais em Descobrimento do Brasil. É Achamento. De fato, os portugueses não nos descobriram, já existíamos e tínhamos população: a indígena. Nos acharam e nos exploraram até o mais que puderam. Num desses dias, fiz um comentário aqui dizendo, mais ou menos, que estávamos sendo explorados e extorquidos pelo políticos como fôramos pelo portugueses. Recebi um e-mail que faz a comparação desse roubo,de forma específica. Tantos quilos, muitoooooooooooooooooooossssssssssssssss, em barras de ouro, em cana de açúcar e tudo o mais…procede o meu comentário.
Interessante e valoroso artigo escrito pelo advogado pesquisador e escritor Marcos Pinto. Muito bom e preciso para pesquisas e aprimoramento do estudo indígena em nosso Rio Grande do Norte sobre tudo no Vale do Apodi e região alto e médio oeste potiguar.
Amigo Marcos Pinto. Comente por favor sobre a passagem dos paiacus aqui nesse setor de Itaú a São Francisco do Oeste, a atuação deles já que eram os silvícolas que habitavam toda ribeira do Apodi.
Simplesmente fantástico esse documentário histórico sobre nossas raízes potiguares. Sou apodiense, das entranhas da Santa Cruz, terras da ribeira do Apodi. Dr. Marcos Pinto era prá está sendo entrevistado em agenda semanal na TCM, um canal sobre NÓS, os Potiguares. Depois de Câmara Cascudo, a Memória viva e fresca, é somente do Ilustre Dr. Marcos Pinto, historiador e pesquisador por mais de 40 anos de leitura e investigação sobre a antropologia e a sociedade potiguar. Parabens! estimando amigo e conterrâneo. Tenho muito orgulho de ser potiguar. Orgulho-me por ser apodiense. Tenho muita alegria por ter Dr. Marcos Pinto de Amigo e conterrâneo.