Por Marcos Ferreira
Há uns trinta minutos, quando fui estender a toalha no varal, avistei um lindo beija-flor adejando sobre o mato florido que reveste parte do meu muro. Detive-me, estático, para não afugentar o bichinho alado. Daí a pouco, após oscular algumas florzinhas, ele se foi lépido e fagueiro.
Até quando, reflito, teremos o privilégio de contemplar seres graciosos como esse colibri? Tantos outros viventes (animais quanto vegetais) já foram extintos ou se encontram ameaçados de extinção devido à nossa postura irresponsável neste não menos ameaçado planeta.Somos, gostemos ou não, a espécie predadora mais letal sobre a face da Terra. Predadora até de si mesma, ressalte-se. Penso nisso enquanto ouço, aqui sentado à escrivaninha, bebendo café, o passaredo trilando na mangueira do vizinho, por trás da minha casa. São exatamente sete e cinco. Raras vezes estou desperto a essa hora da madrugada, entorpecido por meus psicotrópicos. Mas hoje caí da cama. Melhor dizendo, da rede, pois os cupins devoraram minha cama há cerca de dois anos. Madeira molinha, um tipo de musse para aqueles insetos vorazes.
Elegendo prioridades, sempre estamos sujeitos às benditas prioridades, findei não comprando outra. Até porque aprecio dormir de rede, hábito que trago desde a primeira infância, à luz bruxuleante de uma lamparina de querosene que meus saudosos pais deixavam acesa na cozinha de nossa residência de taipa na Avenida Alberto Maranhão, 3521, no Bom Jardim.
Com a rede espichada na sala, onde está a televisão, assisto a filmes e séries. O cinema, como referi noutras ocasiões, é uma grande e antiga paixão, assim como a literatura (lógico!) e a música.
Neste momento executo no computador uma playlist com oito horas de blues. Ao fundo, no entanto, o gorjeio múltiplo dos pássaros é um show à parte. Ao longo de vários anos, devido ao seu enorme tamanho e ao temor de vizinhos contíguos, que receiam o desabamento da mangueira pela ação do vento durante fortes chuvas, a senhora Francisca, dona da casa onde se encontra a portentosa árvore, já foi muito pressionada para que a fruteira seja extraída. Até aqui, todavia, a mangueira continua de pé, apesar de ter passado por algumas podas significativas.
Somos propensos a soluções drásticas, radicais, não raro com prejuízo para a preservação da fauna e da flora. Simpatizamos com o machado e negligenciamos a semeadura. O tempo todo, em Mossoró não é diferente, o ferro e o concreto assumem o lugar de árvores. Até os pardais e os pombos, entre as aves talvez as mais urbanas, sofrem com a chapa quente que se tornou este município desarborizado.
A selva de pedra cresce com velocidade preocupante. Com isto, prezado leitor e gentil leitora, retomo o assunto que move esta narrativa: nossa índole predadora e inconsequente. É que desmatamos e ceifamos bem mais que o necessário.
OUSO AFIRMAR que a Natureza é perfeita. Nós, entretanto, seres supostamente humanos e racionais, somos desgraçadamente falhos, até desumanos em alguns instantes de nossa existência. A humanidade, pelas mãos de tiranos e genocidas como Adolf Hitler, Benito Mussolini, Gengis Khan e Messias Ignaro, possui uma ficha medonha. Cada vez mais acredito nisso. Vem-me a ideia de que somos (alerto que a palavra somos será empregada em vários pontos desta narrativa) a única obra defeituosa do Criador, uma invenção que, a meu ver, não deu muito certo.
O resto da criação do Todo-Poderoso, exceto por nossa interferência inconsequente, perniciosa, sempre viveu em equilíbrio e harmonia. Hoje, porém, de forma dramática, esse equilíbrio e harmonia estão seriamente ameaçados. Somos a única espécie de todo o globo que põe em risco o próprio habitat, devastando a fauna e a flora, concorrendo para a degradação da vida em larga escala, seja na terra, na água ou no ar, pois sequer o céu (leia-se camada de ozônio) escapa.
Isto significa, como na célebre frase do dramaturgo romano Titus Maccius Plautus, que viveu há cerca de duzentos anos antes de Cristo, que o homem é o lobo do homem. Ou seja, promovemos nossa autodestruição. A sentença metafórica de Plautus, contudo, tornou-se de fato conhecida após o filósofo inglês Thomas Hobbes incluí-la em seu livro Leviatã, publicado no ano de 1651. Eu era muito pequeno à época, portanto, e não quero agora me arriscar discorrendo sobre passagens históricas desse tipo, cheias de poeira e com forte cheiro de naftalina.
Fiquemos com este complicado e perigoso momento. Quem sabe limítrofe, iminente. Estamos cada dia mais próximos, conforme cientistas de todo o mundo nos têm alertado há décadas, de um apocalipse climático.
Dia após dia, senhoras e senhores, e isso não é coisa de hoje, a Terra vem nos dando inúmeros sinais de que estamos em maus lençóis, de que o nosso abominável e criminoso comportamento se encontra por um fio. Porque desrespeitamos a Natureza de forma gritante. Poluímos o ar, envenenamos rios e mares, agredimos povos indígenas, desvirtuamos suas tradições, devastamos florestas. É uma coisa monstruosa, insana, o que estamos fazendo contra nossa Amazônia.
Que o diga o senhor Ricardo Motosserra, ex-ministro do Desmantelo Ambiente e negociante de madeira contrabandeada para os Estados Unidos, escândalo este público e notório. Acredito que não ficaremos impunes por muito mais tempo. Não duvido, por exemplo, de que essa pandemia, tão rica de cepas e variantes, venha a ser um recadinho subliminar que a Natureza esteja nos enviando por meio de outros mamíferos, desta feita bichinhos alados do Oriente: morcegos.
Admitamos ou não, estamos colhendo aquilo que semeamos. Ou, em muitos casos, deixamos de semear, replantar, zelar, proteger. Pelo retrovisor da História, prezado leitor e gentil leitora, é fácil enxergarmos o gigantesco rasto de devastação que deixamos por onde passamos. Porque somos (proponho que leiam a palavra somos ao contrário) predadores de nós mesmos. Somos, sim! E qualquer dia, cedo ou tarde, teremos que pagar essa conta com juros e correções.
Num piscar de olhos, então, enfurecida, a Natureza poderá nos varrer da face da Terra. Como diz o ditado, quem viver verá.
Marcos Ferreira é escritor
Exelente crônica, parabéns.
“O homem é o único ser que, se exitinto, não fará falta ao planeta”
Esqueci o autor.
O Planeta Terra é um organismo vivo, ele está simplesmente reagindo as agreções.
Um abraçaço!
Prezado Amorim,
Boa tarde…
Mais uma vez, meu caro, é uma grande satisfação tê-lo entre os leitores que me acompanham, aos domingos, neste ilustrado e prestigioso espaço. Grato, portanto, por sua leitura e comentário. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Oportuna advertência.
Prezado Paulo Tarcísio Cavalcanti,
Boa tarde…
Agradeço por sua leitura e opinião sobre minha crônica. Forte abraço e até o próximo domingo.
Marcos Ferreira.
Li por mais de uma vez a sua bela crônica de hoje, resultado; cheguei a conclusão que viver e sobreviver com modos caiçara deverá ser a forma mais sadia pra quem quer viver mais. Tô refletindo! Quem sabe, poderá ser uma nova modalidade de vida a ser praticada. É bíblico, granjear o próprio pão para comer.
Caro Rocha Neto,
Boa tarde…
Saber que você leu minha crônica já representa para mim uma grande alegria, imagine só minha satisfação por você dizer que releu o texto. Muitíssimo grato por sua leitura e presença neste espaço. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Bom dia, caro Poeta!
Refletindo sobre o assunto em questão, reconheço que somos sim, predadores de nós mesmos! E, embora conscientes das necessidades presentes do nosso habitat, ainda assim, pisamos na bola!
“É preciso estar atento e forte”
Abraços
Querida Vanda Jacinto,
Boa tarde…
Grato por sua leitura e comentário. Sua metafórica definição “pisamos na bola” é bastante sintética e didática. A Humanidade precisa admitir isso e mudar sua postura irresponsável.
Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
“Grande” abraçaço ao primo Jacinto!
Familia Leite.
Acho que sobrinho de Tió, Lauro Leite casado com Tilita.
Acho que mais uma amiga encontrei.
Um bom domingo!
Corretíssima palavras e frases meu amigo Marcão, enquanto nos “ASNOS” sem querer aqui ofender o pobre animal, gastamos bilhões para tentar conquistar outros planetas nossa esfera de forma alaranjada clama por centavos pra ser preservado. Peço desculpa aos asnos pela comparação a nossa espécie irracional e medíocre!
Caro Marcos Rebouças,
Boa tarde…
De fato, sem querer ofender os asnos, a Humanidade tem se comportado pessimamente em relação, sobretudo, à Natureza. Não sei, portanto, até quando nosso planeta suportará tanta asnice. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Bka!
Errei
Bom dia meu amigo, Marcos. É verdade estamos vivendo momentos sombrios. Os “donos do mundo”
Não querem vê q os coisas não estão indo bem.
O q nos preocupam, é q vamos todos pagar essa conta. Como dizia meu amigo, (Raul Seixas:
Buliram muito com o planeta, o planeta como um cachorro eu vejo, se ele não aguenta mais as pulgas,se livre delas no sacolejo.)
Caro Alcimar Jales,
Boa tarde…
Sua comparação do nosso comportamento como as pulgas deste planeta faz sentido. Qualquer dia sofreremos um sacolejo planetário. Aí, amigo, talvez seja tarde para mudarmos o nosso comportamento. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Nos unimos à sua preocupação em preservar o nosso habitat. Bravo, poeta.
Caro Marcos Aurélio de Aquino,
Boa tarde…
Realmente, amigo, não sei até quando a Natureza será misericordiosa perante todo o mal que temos lhe causado dia após dia. Mais cedo ou mais tarde, quando menos esperarmos, essa bomba-relógio vai explodir na nossa cara. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Bom dia, M.
Estou a ler o último romance de Mia Couto, “O Mapeador de Ausências” [um amigo mo emprestou. Estou lendo antes dele. E isso é, pra mim, um privilégio daqueles!]. Agora, justamente nos instantes em que o ciclone Idai se aproxima da cidade de Beira, naturalidade do escritor africano, q é mais ou menos do tamanho de Moçoró. Lembro do amigo Luís Aquino [in memoriam] comentando quando tempestades assim eram anunciadas pela tevê: “A natureza está se vingando outra vez”. Tua crônica de hoje é beija-flor nectando a vida. Cuidemos de tudo. Os poetas redesenharemos o Mundo. Mesmo q os outros não se importem. Bom domingo.
Querido poeta Aluísio Barros,
Obrigado, muitíssimo obrigado, por seu acompanhamento e opinião sobre estas crônicas dominicais. Fiquei curioso por conhecer esse livro do Mia Couto, “O Mapeador de Ausências”. Título instigante. Forte abraço e até o próximo domingo.
Marcos Ferreira.
Ganhei o dia com essa maravilhosa crônica; um luxo. Parabéns!!!!!!
Caro escritor Misherlany Gouthier,
Boa tarde…
É sempre uma alegria e uma honra contar com sua leitura e presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Boa!
Boa tarde, povo
Caríssimo Marcos:
Ai de mim senhora natureza humana, como diz Renato Teixeira, na sua belíssima canção. Marcos, o seu texto está pleno de verdades: do início ao fim. Temos o raciocínio como guia, como bússola. Mas a ausência da sensibilidade muitas vezes muda o percurso da história. Digno de uma escrita que nos toca, alimentado pelas metáforas, mais uma vez sua crônica nos traz sérias e profundas reflexões. Parabéns, meu nobre amigo. Abraço à adorável Natália e um abraço para você.
Querida amiga Rozilene Ferreira da Costa,
Boa tarde…
Esse, ao menos para mim, é um tema difícil de abordar, posto que me sinto (não só eu) tão impotente perante tantos absurdos e agressões que a Humanidade tem praticado contra a Natureza. Ou seja, ameaçando a nossa própria existência neste planeta. Até aqui, pelo que vejo, nosso livre-arbítrio não tem sido usado com a justiça e responsabilidade necessárias. Lamentável. Grato, mais uma vez, por sua honrosa leitura e presença neste ambiente de informação, opinião e cultura. Grande abraço e uma ótima semana para você e Edu.
Marcos Ferreira.
Em pouquíssimo tempo já não haverá mais tempo de mudarmos o curso dessa prosa, se é que ainda há. Que mundo deixaremos para os que sobreviverem a nós? Quando a humanidade perdeu a sua essência? Devo a todos os colibris as minhas mais sinceras desculpas. Sem saber como me redimir comecei catando o lixo da praia, se uma única tartaruga deixar de sufocar com um pedaço de plástico valeu a pena todo o trabalho.
Querida Cristiane dos Reis,
Boa tarde…
Você, como muitos, tem consciência da necessidade de cada um de nós tentarmos fazer um pouco da parte que nos cabe em benefício deste já tão ameaçado planeta. Infelizmente, ao que me parece, o número dos irresponsáveis, daqueles que só contribuem para o holocausto da Natureza, é bem maior do que aqueles que lutam ou contribuem para a preservação do meio ambiente. Alegra-me, porém, o seu louvável exemplo e demonstração de sensibilidade: “Sem saber como me redimir comecei catando o lixo da praia, se uma única tartaruga deixar de sufocar com um pedaço de plástico valeu a pena todo o trabalho”. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Tem uma frase que circula na internet que diz: “Se os animais tivessem um inferno o homem seria o diabo” Abraços, bom domingo!
Caro poeta Airton Cilon,
Boa tarde…
Os animais supostamente irracionais, torno a dizer, têm muito mais consciência e sensibilidade do que supomos. Nenhuma outra espécie, com exceção do bicho-homem, contribui para a devastação da fauna e da flora. Isso é uma característica e perversidade apenas nossa. Até mesmo o Diabo e o Inferno são criações do nosso juízo fantasioso. A exemplo de um suposto Paraíso, no qual não creio. O planeta Terra, sim, é o nosso real paraíso e estamos transformando esse paraíso em inferno dia após dia, incessantemente. Grato por sua leitura e presença neste espaço. Grande abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Corrigindo a frase do comentário anterior: “Se os animais tivessem religião, o homem seria o diabo! Valeu amigo! abraços
Correção recebida e carimbada.
Querido amigo,
Importantíssima reflexão sobre a interferência humana, extremamente negativa, em seu próprio habitat!
Necessitamos de mais pessoas sensíveis ao holocausto a que está sendo submetido o nosso planeta pelo próprio homem!
Precisamos fazer o que está ao nosso alcance!
Parabéns ao grande cronista Marcos Ferreira pelo texto que provoca a nossa consciência e consequente intervenção!
Beijos!
Que bela crônica sobre nossa civilização planetária! E a advertência presente nela quase nunca é escutada. Fazem ouvidos moucos, os tais seres humanos. Depois que o tal Elon Musk deu sua passeadinha na exosfera, e já faz algum tempo que os bambambãs da humanidade se reuniram pra tratar do “evento”, ficou claro que os donos do mundo estão se lixando pro planeta, pois acham que podem fazer morada nos confins do universo, assim, sem mais, como um marimbondo faz sua casinha no extremo do telhado. Mas a gente sabe bem que o “buraco de minhoca” e mais embaixo. Ô se é!