Por FabrÃcio Carpinejar
Toda mulher bonita não se acha bonita. Mesmo a mais bonita. É alguma coisa que não agrada: a orelha, o pé, a mão.
São detalhes imperceptÃveis para a tripulação barbuda. Ou as veias estão muito saltadas ou as unhas quebram rápido. Uma coisinha que somente ela nota. E ela sofre duas vezes: quando alguém descobre e quando ninguém enxerga.
A segunda opção é a mais triste.
Caso o problema passe despercebido, partirá do princÃpio de que é tão insignificante que não merece a atenção dos outros.
Toda mulher se vê filha única do defeito. E não é um defeito, mas uma cisma. A maior parte dos defeitos é superstição.
Talvez o martÃrio feminino venha do excesso de controle: ela se olha demais, e tudo ganha o dobro de importância. O homem se olha de menos, e nunca teve estrias e celulite.
Para a mulher, espelho é lupa. Para o homem, espelho é janela.
Uma espinha, por exemplo, quando descoberta por uma mulher torna-se o próprio rosto. O rosto não existe mais, somente a espinha, que é alisada a cada preocupação.
Mulher não se acha realmente bonita. Nem Brigitte Bardot antes. Nem Gisele Bündchen agora.
Mulher nenhuma no mundo é vaidosa; vaidade é a confirmação de um atributo e ela desconhece suas qualidades. Mulher nenhuma acredita que é bonita, apenas disfarça que é bonita.
O elogio que recebe soa como ironia. A ausência de elogio soa como reclamação.
Arrumar-se de manhã para a mulher não é um prazer, e sim um pânico. No fundo, ela se considera um encalhe. Jura que qualquer novo amor é resultado de compaixão ou cegueira masculina.
Mulher não nasce bonita, torna-se provisoriamente bonita (em sua concepção, a beleza dura apenas um dia).
Ela se monta por 24h, mais do que isso não consegue: carrega o medo de se desmanchar com a luz e desiludir a expectativa do próximo. Seus cuidados são vinganças: à infância, ao deboche da famÃlia, ao bullying na escola.
Dentro dela, ela continua uma nerd. Guardará para sempre a imagem de menina inteligente e problemática, de gorda balofa, de desengonçada e fora do time, de alta girafa, de sardenta enferrujada, de vesga fundo de garrafa.
Não adianta convencê-la de que ela é linda, ela se acorda despenteada e nasce de novo, como se não tivesse vivido antes. Não é falsa modéstia, sequer é modéstia, ela se percebe feia.
Toda mulher bonita acredita que, no máximo, pode se ajeitar.
Em seus olhos, corre uma insatisfação permanente que não permite descanso e luto. Se seus cabelos são lisos, ela gostaria que fossem cacheados; se são cacheados gostaria que fossem ondulados, se são ondulados gostaria que fossem crespos.
A beleza é uma conclusão. E toda mulher vive de dúvidas, toda mulher é uma pergunta. Uma insaciável pergunta.
FabrÃcio Carpinejar é jornalista, professor e escritor gaúcho
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