Por François Silvestre
Era assim que se chamava a Noite de Natal, aqui nessa chã de serra. A Praça Almino Afonso virava extensão da igreja matriz, em cujos canteiros dona Agá Lemos plantava rosas e seu irmão Pelópidas fazia o pastoramento.
Os altares da igreja eram enfeitados com flores do jardim da casa da minha avó, da casa de Santa de Quincó e do jardim da casa paroquial.
A sala da casa de dona Agá, que também era diretora do Grupo Escolar, virava um presépio imenso. Para as dimensões que veem os olhos de uma criança. Tudo muito iluminado, entre luzes e cores. Ao som triste e suave das músicas natalinas.
A tristeza dessa música é uma catarse da relação com a criança nascida. Pobremente nascida e festejada por reis distantes, de cujos reinos não se têm notícias. Se agora o embalamos, três meses depois o penduramos na cruz.
Noite feliz, no dizer das canções. Uma felicidade tristonha, embalada pela sílfide toada dos sinos. Media-se a festa pela luminosidade.
Hoje, mede-se pela dimensão das compras. E se o tempo é de restrição aquisitiva, o brilho da festa esmorece. Cá pra essas bandas, onde os Reis Magos perderam o incenso, o clima é de apreensão e escassez de senso.
O comércio investe pouco na atração luminosa. A escassez de água produz um ambiente de quase esquizofrenia. Cada nuvem mais escura que surge ao Sul ou ao Nascente atrai olhares de esperança.
A seca repetida e assustadora deixa o Menino de Nazaré no esquecimento e antecipa as orações para o seu pai adotivo, o bondoso e donzelo carpinteiro. E o santo pede ajuda ao equinócio.
Mesmo assim é momento de festa. Que antecipa a espera do Ano Novo. Mesmo que seja velho o tempo. No caso de Martins, a Noite de Festa precede o início da Festa da Padroeira.
A bandeira da Virgem da Conceição sobe ao mastro no dia Vinte e Sete de Dezembro e desce no dia Seis de Janeiro, exatamente a data dedicada aos Reis Magos, cujos reinos nunca foram localizados. Até o número de “três” é alvo de controvérsias.
Das experiências de chuva ou seca, nessas bandas de cá, há uma que se firma exatamente na Noite de Festa. Se houver relâmpagos na noite do dia Vinte e Quatro, o ano seguinte será de inverno. Caso contrário, é de seca ou atrapalhado.
Luiz de Lulu disse que nos últimos três anos aconteceu exatamente assim: “Não relampeou na Noite de Festa e choveu no Dia de Reis”. Duas “experiências” terríveis.
Vivamos. Pois a graça da vida é laçar e domar dificuldades. E só não envelhece quem morre novo. Que os novos não desmereçam a velhice nem os velhos invejem a mocidade. Cada um, do seu jeito, cúmplice do tempo.
E possamos repetir o epitáfio do Rei, cuja lápide se perde na estepe de um sítio persa e proclama:
“Mortal! Eu sou Ciro. Aquele que edificou o império dos persas. Não invejeis o meu túmulo”.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
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