domingo - 08/02/2015 - 03:15h

Nossos baús de ossos

Por Marcos Pinto

“…E no fim resta apenas a saudade. Não importa onde estejam, Quem amamos sempre estará conosco”.

A trajetória indefinida do ser humano impõe a necessidade da adoção de fé inquebrantável, através da qual se atenuará a tensão das interrogações sobre o incontinenti desfecho existencial. Nesse desenrolar, assiste-nos a certeza inexpugnável de que todos nós carregamos nossos baús de ossos.

É certo que alguns mais pesados que os outros – pesados por tragédias que marcam a crônica do passado, a história do presente e uma dor que sempre marcará o programa do futuro. Somos sempre flagrados comungando silenciosamente com a merencória procissão de nossos mortos, em penosas meditações que sacodem o ânimo em desalentos ante a dura e pungente realidade de que já não temos perto de nós aqueles que um dia compuseram nossa diuturna geografia sentimental.

Assistiu razão ao grande poeta Mario Quintana quando indagou: ”

– Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos e não aguenta os que continuam vivos ?.

E Humboldt arremata:

– A morte não é um período que termina uma existência, mas um prelúdio somente, uma passagem de uma forma para outra do ser infinito.

Ao abrirmos os nossos mofados baús de ossos, somos assediados por um corolário de crenças, sentimentos, superstições, algo de transcendental e instigante. E tudo isso há de ser contrastado por muita reação antes de completar-se o nosso desenlace material. E porque não dizer que persistem referenciais em relíquias deixadas, como testemunhas mudas, intensamente evocantes de seus antigos donos.

E nessa garimpagem dos nossos baús de ossos segue-se aquele silêncio comprimido, aquela pausa de toda a co nversação espiritual em que os pensamentos são tantos que se atropelam e não acham saída no nostálgico labirinto de saudades. Nesse diapasão, percebemos que nossa voz espiritual tem o dom da súplica, amortecendo a dor da alma – filha de um remorso salutar.

É como se fora aquela plácida sensação de mais profundo sentimento. Não mais que de repente, abre-se o livro do passado, parando em uma página repleta de reticências, como a culpar-me por omissões sentimentais de atos e palavras. Era preciso ter existido o desejo de fazer, e não apenas ser.

O lamentoso ranger das dobradiças dos nossos baús de ossos instiga-nos o espírito como todas as coisas que nos fazem pensar muito. E o inconfundível eco morto da solidão responde tristemente às minhas perguntas. É aí onde a cronica se cala, como efeito da inexaurível piedade de Deus, que acode minha alma, antes que ela se perca nos desvarios da mulher amada.

Nesse cotejo, há cenas indescritíveis, circunstâncias e ações pretéritas que me remetem ao sentido das coisas e da vida. A verdade é que o mistério oculto mostra um outro lado da utilização das sombras.

E o que somos? Nada mais do que espectros humanos. Somos sombras que sofrem.

Diante todo esse inclemente materialismo dialético, só nos resta abandonar o cadáver de nossas desilusões, deixando-o entregue às tormentosas lufadas de ar do imponderável.

Já é tempo para que meus pensamentos e sentimentos transponham os umbrais do tempo e do espaço, onde eu possa rever quase materialmente os meus entes queridos que já atenderam ao chamado do Supremo Arquiteto do Universo. Na esperança de um dia viver a mansuetude da mansão celestial, vou seguindo vida afora.

Nunca mais esquecerei de abrir o meu baú de ossos, resgatando, assim, em minhas perenes lembranças, o sentimento indizível de solidão, saudade, angústia e bem-querer.

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica

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