Por Jânio Rêgo
Meia-Lua e eu estamos cada vez mais amigos. Naquele ponto de amizade que transforma o trivial em raridade e deslumbramento.
Ontem, bem cedinho, refizemos o percurso do Açude Grande com o entusiasmo da primeira vez, ele correndo na frente, ziguezagueando entre moitas como um perdigueiro matuto, e eu lento como um peregrino urbano a caminho do santuário.
O Açude Grande é um monumento, o mais importante da ancestralidade da Catingueira, marco da luta primordial pela água.
De lá contam-se histórias de trabalho na construção da parede rústica e de desforras familiares em defesa do patrimônio territorial:
“Antônio Petronilo botou o rifle na lua-da-sela e foi tomar satisfação com ele…” – ouço pela voz memorial de Albertina Melquíades, nora da matriarca Zefinha Fernandes, irmã desse Antônio destemido.
Já foi mais sombria e úmida a vereda que nos leva até lá, entrançada por juremas, angicos, aroeiras frondosas e arbustos urticantes.
Hoje os roçados abeiram-se do antigo ‘corredor’ e o sol entra facilmente entre a folhagem mais rala clareando o chão de areia e pedras vulcânicas.
Mas a chegada, pelo sangradouro, mantém a friagem que sobe do chão e o descortínio da paisagem, com um pedaço de serra ao longe, me induz reverência silenciosa à grandeza dos homens e da Natureza.
Sentado numa pedra remota admiro o porão seco como quem vê Chico Rocha dando cambalhotas n’água e um magote de meninos saltando da ingazeira que cresceu na revensa.
Mas o Inquieto amigo late e late, e é hora de continuar a caminhada,voltando pelo baixio de tio Epifânio, saindo lá no local do engenho onde se comia alfinim com caldo de cana moída pela junta de bois sonolenta…
Já vou, Meia-Lua, já vou!
Jânio Rêgo é jornalista
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