Por François Silvestre
Morei ou me escondi em São Paulo em várias e variadas circunstâncias.
Morando, fui jornalista ou free-lance de vários veículos. Jornal da Tarde, Revista Visão, Boletim Cambial. No Boletim Cambial fui admitido pelo chefe da sucursal, Jornalista Arnaldo Lacombe. Cheguei a dirigir a redação.
A matriz do Jornal ficava no Rio de Janeiro e a sucursal de São Paulo na Rua Clóvis Beviláqua, ali próximo da Praça do Patriarca. Muitas vezes, saía da redação para ouvir Cantos Gregorianos, Cantochão, no Mosteiro de São bento.
Participei da fundação da Gazeta do Brás, desde o número zero até várias outras edições. Nem sei se ainda existe.
Ainda na condição de morador, exerci a advocacia.
Militei no Fórum Cível João Mendes, o “primus inter pares”, e no Criminal Clóvis Beviláqua, tudo ali próximo da Praça da Sé. Participava do Escritório Lívio de Souza Melo, na Estrada do Rio Pequeno, fronteira de Osasco. Minha primeira inscrição na OAB foi em São Paulo, cuja carteira foi assinada pelo Secretário da Ordem, Márcio Thomaz Bastos.
Ainda guardo essa Carteira, que deveria ter devolvido quando da minha inscrição aqui. Mas combinei com Roberto Furtado e inventei que havia extraviado.
Os abonadores, inscritos na Ordem, foram o próprio Lívio de Souza Melo e Geraldo Pedroza de Araújo Dias, vulgo Geraldo Vandré.
Porém, não fui apenas morador regular. São Paulo também me abrigou na clandestinidade. Pelo menos por duas vezes lá me aboletei nessa condição.
E foi nessa situação que conheci, admirei e detestei o prédio Wilton Paes, na Rua Antônio Godoy, esquina com a Rio Branco, no Largo do Paissandu, Bairro de Santa Ifigênia.
Tempo em que aquele prédio abrigava a Polícia Federal, que era a polícia política da Ditadura. A regra era prender militantes de esquerda; sindicalistas, estudantes, jornalistas, operários, padres, o que fosse. A exceção era prender contrabandistas ou traficantes.
Num pequeno boteco, na própria Antônio Godoy, eu baixava para tomara caipirinha, especialidade do bar. E ficava ali vendo o movimento das camionetes Veraneio, pomposas e ostensivas, trazendo ou levando presos políticos.
E rogava praga, pedindo ao imponderável, para aquele belo prédio cair. Despencar por cima das viaturas. Sabia que era apenas um exercício de catarse, sem o menor propósito. Como iria ruir um prédio tão belo e tão bem construído, com as técnicas modernas dos anos Sessenta?
Pois bem. A praga rogada pegou.
Só que chegou atrasadamente; quando o prédio ficara feio, pobre e abrigo de miseráveis.
A PF evoluiu, São Paulo mudou pra pior e o Brasil do sonho virou pesadelo. O fantasma de Sérgio Paranhos Fleury deve ter despencado nos escombros, carregando os restos torturados da esperança mutilada.
O coração da Pátria é uma canoa na seca, que se perdeu ao navegar no vento. Té mais.
François Silvestre é escritor
Que belíssima história!
e q percurso…prosa agradável e notável coincidência. A PF parece ainda especializada em perseguição a certos grupos
Sem dúvida Angeli, certamente o nosso conhecido histórico de reacionarismo, anticomunismo cego e exclusão social arraigados ao longo da nossa pobre história democrática. Pasme !, ainda em pleno século XXI penetra e reverbera na formação e conduta através de atos e ações das nossas ditas instituições punitivas.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.
Quem sabe faz agora não espera acontecer.
Mais uma vez parabéns.
Lendo sua crônica impregnada de sentimentos, em “restos torturados da esperança mutilada”, que despencariam com o fantasma do delegado Fleury, lembrei-me de Treblinka. Ele comandava nossa Treblinka.
O homem ruim de praga. A coisa era pra ontem, foi acontecer anos depois. Era pra ocorrer com Fleury dentro do predio.
Que texto, meu irmão!
Que texto, meu irmão! Eu mergulhado na preguiça, longe que só do meu Sertão, aí me deito e cai no meu colo mais um pedaço desses seus tempos idos…