"Para onde vais, Andarilho, nesse andar assim cambaio?" (Thiago de Mello)
É claro que o caminho se faz caminhando. E várias são as formas de caminhar.
O cantor Almir Sater anda devagar porque já teve pressa, levando um sorriso no rosto, porque já chorou demais. Fernando Pessoa também tinha sua maneira de caminhar: “O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas/Olhando para a direita e para a esquerda,/ E de vez em quando olhando para trás…”
Acredito que o maior poeta da língua portuguesa só olhava de vez em quando para trás, pelo perigo que este gesto podia representar… Afinal, é muito perigoso ver o passado…O mito Orfeu e Eurídice que o diga. Mordida por uma cobra, morre Eurídice, sendo levada para o Hades.
Orfeu, não se conformando com a perda da amada, pega a sua lira e vai até o mundo dos mortos, onde consegue encantar, a todos que lá se encontra, com a sua maravilhosa música: desde Carone, o barqueiro, até Plutão e Perséfone, soberanos do mundo subterrâneo.
E estes – fascinados pela arte de Orfeu, permitem, que o músico apaixonado, possa levar a sua amada (Eurídice) de volta ao mundo dos vivos, desde que cumprisse uma condição: em hipótese alguma, Orfeu poderia olhar para trás. No entanto, tomado pela dúvida, o músico não cumpre o prometido e perde a sua amada para sempre.
A mulher de Ló, desobedecendo a Jeová, foi transformada em estátua de sal, por ter olhado para trás e visto Sodoma e Gomorra serem destruídas.
Portanto, olhar para trás significa relembrar muitas das nossas misérias, das nossas promessas não cumpridas, dos nossos erros, das nossas fraquezas, etc, etc… Olhar para o passado significa, mais do que nunca, encontrar-se com a verdade e esse encontro, para muitos, pode não ser muito prazeroso. E era por isso que Nietzsche advertia: “A verdade pode nos destruir”.
Sabedor disso, do perigo de dirigir o olhar para trás, é que a classe política caminha só olhando para frente: só o futuro é o que importa. “Esqueçam o que eu disse”, esse é o lema dos nossos representantes políticos.
Por isso, fica fácil compreender que o “filhote da ditadura”, de ontem, pode ser perfeitamente o companheiro, de hoje; que o ingrato, de ontem, nada mais é do que o nosso maior aliado, de hoje; que o(a) traidor(a), de ontem, pode ser transformado no nosso braço direito, de hoje; que o ladrão, de ontem, é o mais honesto cidadão, de hoje… Pois, na política, tudo é permitido, exceto perder…
Aliança tem que ser feita para ganhar… e se o preço da vitória representa jogar o meu passado, a minha honestidade (se é que ela algum dia existiu) e a minha consciência (se é que um dia a tive) no lixo, que assim o faça. A palavra – aquela mesma tão importante: “E disse o senhor Deus: Faça-se a luz, e a luz foi feita”-, na política, nunca teve e nunca terá valor algum.
Na política, o que vale é o MEU projeto de poder. A MINHA perpetuação na giroflex. Portanto, “Um político nunca deve dizer: desta água não beberei…”
Às vezes, chego a pensar que essa amnésia (estratégica) dos nossos representantes políticos, não poderia ser explicada, por aquela mesma doença que acometeu a personagem, no filme “Como se fosse a primeira vez”, que, toda a noite, após dormir, esquecia o dia anterior. Assim, cada dia era como se fosse o primeiro de sua vida.
Entretanto, essa é uma doença neurológica rara, como, aliás, são raros (raríssimos) os políticos que não fazem de tudo para esquecer o seu passado. E o povo, o que acha disso tudo? Dos políticos “DELETAREM” o seu passado?
Para responder, vou recorrer ao escritor Ibsen, que no seu livro “um inimigo do povo” (título bem sugestivo, não acham?), já dizia:
– O inimigo mais perigoso da verdade e da liberdade, entre nós, é a enorme e silenciosa maioria dos meus concidadãos. Esta massa amorfa, é ela! Sim… Aqueles que obedecem e pensam somente pelas cabeças dos outros sempre serão plebeus morais… Amo tanto a minha cidade que preferiria vê-la aniquilada do que prosperando sobre uma mentira… Saiba que um homem de bem não deve encobrir imundices. Ele deve ter a consciência tranqüila, para amanhã não se envergonhar de si mesmo!… O que é preciso combater são líderes dos partidos. Eles são como lobos famintos que precisam, para viver, de um rebanho de ovelhas.
Francisco Edilson Leite Pinto Júnior é médico, escritor e professor – edilsonpinto@uol.com.br
Edilson Pinto, parabéns pelo grande texto…
Abraços
David Leite
Dr. Edilson: Parabéns pelo texto. É por isso que sou vidrado no passado. Mirando-me nele, penso, é mais difícil cometer um mesmo erro. E é por isso, também, que, se pudesse, acabaria com a REELEIÇÂO. Castrando os políticos do PODER, a ele não voltariam afim de praticar os mesmos enganos. “E os bons politicos”? – Alguém poderá perguntar. – Sim, estes serão substituídos pelos sucessores que serão melhore ainda, porque destituídos da ganância da perpetuação indefinida.