Por Marcos Ferreira
Quinta-feira. Ontem e anteontem não consegui escrever nada acerca de coisa alguma. Ainda estou me recuperando dos machucados, das agressões, do ataque que sofri no início da noite da terça. A visita de Leopoldo Nunes, além da extrema frustração que me provoca até o momento, representou uma presença traiçoeira, odiosa e covarde. Começo a digitar este relato com bastante dificuldade. Dois dos dedos da mão direita continuam inchados, com escoriações também nas costas das minhas mãos, no rosto e nos antebraços. O ombro direito continua doendo. Houve uma hora em que cheguei a pensar que estivesse deslocado em virtude dos chutes e pontapés que sofri. O indicador da mão direita, ressalto, é o mais afetado e dolorido.
Um tempo antes ele entrou em contato comigo por chamada de áudio no WhatsApp indagando se o nosso encontro estava de pé. “Claro. Estou à sua espera”, respondi com empolgação. “Chegarei no horário combinado. E tenho uma surpresa para você. Não pergunte o que é porque assim estraga a surpresa”, acrescentou com voz descontraída. Minha curiosidade aumentou, contudo falei que aguardaria para saber do que se tratava. O choque que eu tive, quando da chegada de Leopoldo, foi que ele não viera só para o nosso compromisso do cafezinho de início de noite. Um outro homem estava com ele. Era, reconheci após alguns segundos, o caixa ao qual me apresentara quando estive no mercado pela última vez. Sim. Aquele rapaz simpático e bonito, que julguei fosse tão só um colega de trabalho de Leopoldo, viera à minha casa sem ser convidado. Fiquei de fato surpreso e desconfortável com a sua presença. Ele depressa se anunciou como Roberto. Trocamos apertos de mão e ambos entraram.
Roberto trazia uma sacola de papel com sinais, manchas d’água, cujo formato do volume pude deduzir que aquilo era uma garrafa de bebida ou refrigerante. Ele não demorou a abrir a sacola, da qual retirou uma garrafa de vinho tinto. Disse que seria “para mais tarde; quando o café acabar”, e me pediu para guardá-la na geladeira. Não gostei da ideia, sobretudo da presença de Roberto em uma ocasião que me interessava fosse mais reservada; um encontro, enfim, de apenas duas pessoas. Roberto (avaliando com objetividade) representava um empecilho naquele momento pretensamente romântico. Ou seja, uma excrescência. Estragou meus planos.
Cada um de nós bebeu duas xícaras de café de tamanho médio. Entretanto o papo estava sem graça desde o começo. Eu me esforçava para não deixar transparecer o incômodo, o desconforto devido à presença daquele elemento inoportuno. Não me animei a preparar a cafeteira com uma segunda jarra. Chegou a vez do vinho. Leopoldo foi quem alertou que era a ocasião do tinto. “Pronto, queridos. Experimentamos o café, o papo está muito bom, mas vamos tomar um pouco desse vinho que Roberto comprou lá no supermercado especialmente para este ensejo”. Eu me sentia murcho, sem brilho, sem ânimo. Ainda assim peguei no armário três pequenas taças. Em seguida, como se obedecesse uma ordem, fui à geladeira e trouxe a garrafa. Era um vinho barato, ordinário. Servi aos dois e fui bebendo minha taça bem devagar.
Daí a pouco, para piorar meu desagrado, Roberto propôs que eu ligasse o aparelho de som. Queria, infelizmente, ouvir “uma musiquinha sertaneja”. A contragosto, então, liguei a tevê, acessei o YouTube, e o próprio Roberto pegou o controle remoto da minha mão e escolheu um link dessas “canções” deveras vagabundas, da pior qualidade possível, mas que estão na moda e na cabeça de idiotas como ele. Deixou num volume que considerei excessivo e aí eu baixei um bocado, alegando que daquela forma atrapalhava a nossa conversa. Roberto franziu a testa, mas não disse nada. Afinal de contas ele não era o dono da tevê nem da casa. Depois de mais ou menos meia hora, talvez tocado pelo vinho, a música já não me aborrecia como no início.
Houve um instante em que Leopoldo falou que eu estava “parecendo tenso, precisando de mais vinho”. Para meu espanto, ele deixou o sofá, contornou a poltrona onde eu estava e começou a fazer “uma massagem para aliviar a tensão”. Dessa forma, enquanto Roberto sorria, ele foi descendo a mão direita pela minha cintura e me apalpou por cima da bermuda. Obviamente que eu não estava nada excitado, sem clima algum. Percebendo isso, Leopoldo (decerto um bocado aquecido pelo tinto) disse de maneira rude: “Vamos lá, veado! A gente sabe que você quer foder conosco!” Eis a gota d’água.
Levantei-me e pedi que ambos fossem embora imediatamente. Isso foi recebido como um insulto, uma ofensa. Roberto deixou o sofá e voou em cima de mim, apertando meu pescoço. Consegui ficar de pé e acertei uma bofetada na cara dele. Daí por diante, para minha desgraça, eles me agrediram da forma que bem quiseram. Estavam ali dois tipos jovens e de físico malhado, com músculos realçados e com força o bastante para me sobrepujar. Resumindo a ópera, levei uma surra e tanto.
Ao menos, além da minha cara, não quebraram nada. Sofri uns chutes e pontapés no dorso, pisaram minha cabeça. Leopoldo segurou meus braços por trás e Roberto deu um soco na minha barriga. Instintivamente me encolhi, mas aí Leopoldo levantou minha cabeça, puxando-me pelos cabelos, e Roberto me deu um murro na cara. Acertou-me o nariz, que começou a sangrar. Creio que o efeito do sangue descendo pela minha camisa branca de algodão foi o suficiente para que se sentissem satisfeitos com o nível de agressão. Os dois me xingaram, falaram um monte de chulices e me mandaram tomar no cu. Foram embora e bateram a porta com força.
Durante um certo tempo não me mexi. Fiquei debruçado no chão. Após uns cinco minutos, todavia, levantei-me e fui à pia do banheiro lavar o rosto. O nariz não quebrou por sorte. O sangue não demorou a estancar, mas o entorno do olho esquerdo estava inchado e arroxeado. Cheguei a pensar em ir a uma delegacia prestar queixa, mas súbito decidi que eles merecem mais do que isso.
Marcos Ferreira é escritor
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