domingo - 05/10/2025 - 08:42h

O Efeito Casulo – Dia 19

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Este capítulo, só por enquanto, não será publicado no blogue do jornalista Carlos Santos. Devo enviar outro texto em vez deste. É o que farei para evitar a polícia. Acho que tal estratégia não resultará em mal-entendido, ou sensação de incompletude na cabeça dos leitores: os poucos que se ocupam com a leitura destas páginas mórbidas e pessimistas. Não que eu me importe com as consequências de tornar pública esta parte da história. Nada tenho a perder. Muito menos a ganhar. No momento oportuno, então, farei o encaixe deste fragmento em algum ponto da narrativa. 

Recebi na manhã de hoje, precisamente às onze horas e quatro minutos, via WhatsApp, uma ligação de Leopoldo Nunes. Esta, aliás, já era a terceira. Não me dei conta das chamadas anteriores porque deixo (repito) o aparelho no silencioso. Por acaso, entretanto, quando procurei o celular para ver as horas, deparei-me com a telinha acesa com a foto do patife. Eu acabara de colocar um pouco de macarrão na água fervente e precisava marcar uns treze minutos para que a massa ficasse pronta. Recusei a ligação. Ele insistiu e desta feita, embora sem saber o que dizer, atendi. Pego de surpresa, fiquei calado; sequer um alô. Aguardei que dissesse alguma coisa. “Bom dia, Fernando”, falou num tom ligeiramente triste. “Não tenho um bom-dia para você, descarado”, respondi de modo imediato e firme. Soltou um pequeno pigarro e seguiu: 

“Olha, Fernando; eu entendo que nunca mais queira ver a minha cara; tem motivos de sobra para isso. O que Roberto e eu fizemos não se justifica. Ainda assim, se puder me ouvir, considero justo lhe revelar alguns aspectos que talvez expliquem aquele absurdo todo que aconteceu ontem à noite. Devo lhe confessar que o vinho não foi o responsável pelo comportamento abominável que apresentamos em sua casa, agredindo você da maneira absurda e covarde como ocorreu”. Embora sem a menor vontade de aliviar a barra deles, pedi que continuasse, mas sem delongas. “Foi a cocaína”, revelou subitamente. “Cheiramos antes de sairmos para a sua casa”. 

“Cocaína?!” Espantei-me por um segundo, todavia rebati a desculpa de que estavam drogados. “Esse argumento não vale de nada. Vocês agiram como bichos selvagens. Não fiz nem falei nada para deixá-los tão agressivos e enfurecidos daquele jeito. Além disso, Leopoldo, você não poderia de maneira alguma ter trazido aquele indivíduo para a minha casa sem antes me consultar. Pensei que seria um momento apenas nosso. O seu amigo calhorda não cabia naquela ensejo”. 

“Você está coberto de razão, Fernando. Eu errei do começo ao fim. Convidar Roberto foi um grande equívoco. Tanto quanto o de haver cheirado cocaína e depois ir à sua casa com a cabeça fora do lugar”, admitiu compassadamente, escolhendo as palavras com todo cuidado. Não suavizei minha crítica, mas tentei dominar meus nervos, pois até então eu falava com ele quase aos gritos. Voltei ao fogão e desliguei a boca onde fervia a água para o macarrão. Sentei-me à mesa da cozinha e decidi que iria ouvir o que ele tinha a me dizer. Com voz meio trêmula, Leopoldo voltou a se lamuriar e, ignorando o meu ânimo enfezado, pediu-me desculpas. Foi nesse exato instante que a fatídica ideia aflorou na minha cachola. Assim, como diz aquele ditado, mudei da água para o vinho e passei a dialogar com ele de forma mais amigável. 

“É o seguinte, Leopoldo… Fui agredido com palavrões, socos e pontapés. As marcas dessa violência continuam na minha cara, na minha pele. Os danos são também psicológicos. Permaneço abalado. Tive insônia, dormi pouco e mal de ontem para hoje. Compreendo, todavia, que a porra da cocaína decerto foi a causadora dessa atitude traiçoeira quanto covarde. Apesar dos pesares, penso que merecem uma segunda chance. Quem nunca fez alguma besteira na vida que atire a primeira pedra. Para provar que não me interessa guardar ressentimentos, estou disposto a recebê-los aqui em casa outra vez. Desta feita, por favor, sem cocaína, e o vinho será escolhido por mim. Aquele que vocês trouxeram é por demais ordinário”, falei isto bem-humorado e o canalha acreditou na minha súbita mudança de temperamento. 

Leopoldo se empolgou e me pareceu sincero: “Contarei a nossa conversa a Roberto logo que findarmos esta ligação. Você não imagina o quanto ele está arrependido”. Pois foi. Acrescentou que o safado estava se sentindo mal, com a consciência pesada, por causa do que aprontaram. Assegurou que Roberto ficará muito feliz com a minha atitude, com o meu “coração bondoso”, isto nas palavras dele. Marcamos o reencontro para amanhã, no mesmo horário do anterior. Aqueles pilantras não fazem ideia do que os espera. Recorri ao meu psiquiatra, o doutor Jarbas Sabóia, e este me deu a receita para comprar uma caixa de Dormonid de 15 miligramas. 

“Será um grande prazer retornar à sua casa, Fernando. Dessa vez as coisas acontecerão na mais completa paz e harmonia”. “O prazer será todo meu, Leopoldo. Pode crer. Vamos passar uma borracha nesse lamentável incidente. O perdão faz bem a quem é perdoado e a quem perdoa. Sinto que temos muito a oferecer um ao outro. Amanhã, se Deus quiser, dará tudo certo”, concluí. Um só comprimido desses basta para apagar um homem. Por garantia, porém, darei dois a cada um. 

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance

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