Por Marcos Ferreira
Tentei escrever em alguns momentos do dia de ontem, sobretudo entre o início da tarde e o começo da noite, porém o cansaço de sempre me roubou o ânimo, a capacidade de me expressar. Sequer um rascunho, um só parágrafo, brotou do meu juízo. Hoje não é muito diferente no que diz respeito ao tédio, entretanto me sinto menos indisposto, tenho a cabeça um pouco mais leve e fecunda.
O telefone tocou algumas vezes de manhã para cá, todavia não atendi nenhuma das chamadas. Não era ninguém com quem eu estivesse a fim de conversar. Por exemplo, o pilantra do Ricardo Gurgel, que foi meu namorado durante dois anos e meio, ligou três vezes num intervalo de mais ou menos quarenta minutos. Suponho que talvez já esteja sabendo da minha doença, coisa esta que é do conhecimento apenas do doutor Epitácio Coelho, do meu ex-patrão e funcionários. Todos que trabalham na loja de peças de automóveis têm ciência do meu diagnóstico.
É difícil pensar em literatura, em escrita com arte literária, depois que um médico, à queima-roupa, olha friamente em nossos olhos e nos diz que temos um câncer metastático e uma expectativa de vida de, no máximo, seis meses. Há ocasiões em que penso que tudo isso não passa de um sonho ruim, um pesadelo. Tolice! A realidade é imutável. Não existe nada que eu e nem ninguém possa fazer que modifique isso. Estou fodido, condenado a morrer em poucos meses com cinquenta e dois anos. Claro que sei que algumas pessoas, resilientes e confiantes num deus no qual não creio, encaram uma lástima dessas com equilíbrio e serenidade admiráveis.
Não é de maneira alguma o meu caso. Tenho ímpetos de violência, imagino-me com poderes e crueza o bastante para torturar e extinguir uma grande quantidade de elementos escrotos que habitam este planeta à beira de uma terceira guerra mundial. Não. Eu não hesitaria em executar diversos percevejos sociais que tornam a vida na Terra cada vez mais conturbada quanto desumana.
Isso, todavia, eu já disse ao longo desta narrativa mal-alinhavada. Contudo, nas condições psicológicas e emocionais em que me encontro, tenho o direito de me repetir, de ser redundante, prolixo e caótico. O tempo todo esqueço de palavras que decerto se encaixariam melhor no decorrer deste relato.
Intimamente ambiciono, apesar das toneladas de pessimismo sobre meus ombros, que esta autobiografia seja composta e finalizada com mérito engenhoso, linguístico, literário. Embora acometido por um câncer de pâncreas em estado terminal, ainda nutro, alimento este meu tolo anseio de produzir páginas com algum teor artístico. É isto. Esforço-me para que minha história, minhas memórias pretéritas e recentes reúnam arte e brilho.
Nesta oportunidade preciso assinalar o seguinte detalhe: não me tornei escritor da noite para o dia. Ninguém (está bem claro) consegue êxito e sucesso como literato num estalar de dedos. De forma alguma. É preciso lastro, vivência, inteirar-se o máximo possível das obras de diversos autores, escribas nacionais quanto estrangeiros. Porque apenas a leitura, aliada a uma boa dose de talento, vai dizer quem possui futuro enquanto escritor. Todo o resto é carpintaria, entrega e suor.
Este, sabemos, é um assunto controverso e inesgotável. No próximo ensejo, quiçá amanhã, quando me sentir à vontade, com disposição, com fôlego, aí discorrerei sobre minha origem e trajetória nesta corda bamba (sem rede de proteção) da palavra escrita. Peço que aguardem. Agora fico por aqui.
Leia também: O Efeito Casulo – Dia 1
Leia também: O Efeito Casulo – Dia 2
Leia também: O Efeito Casulo – Dia 3
Leia também: O Efeito Casulo – Dia 4
Marcos Ferreira é escritor
Faça um Comentário