domingo - 13/07/2025 - 07:40h

O Efeito Casulo – Dia 7

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Estou com a casa cheia de minúsculos ratos. Os catitos deixam vestígios por onde passam, uma quantidade enorme de fezes pretas, durinhas e menores que um grão de arroz. Fica, além do cocô, um mau cheiro desgraçado. São velocíssimos e elásticos. Conseguem penetrar em lugares por demais apertados. Passam até por baixo da mínima frincha entre o piso e a porta da cozinha. Aqui e acolá testemunho algum deles saindo de fininho por essa brecha. Preciso armar, em pontos estratégicos, umas vinte ratoeiras, embora a população desses bichos talvez não chegue a dez roedores. Exatamente: mais ratoeiras do que ratos. Haverei de extingui-los.

De tão engraçadinhos e espertos, lembram-me um vasto número de políticos, desses que o povo coloca nas prefeituras, câmaras de vereadores, no antro dos deputados estaduais e federais, além do Senado e da Presidência da República. Os camundongos e as ratazanas têm tudo a ver com a gigantesca soma dos ditos homens e mulheres públicos. São bem malandros, furtivos e perniciosos. Se existem exceções? Claro que sim. Mas não são muitas. Nem todos, pois, são farinha do mesmo saco. Há pessoas fora da moda: são as que não se atolam na lama da corrupção.

Como vem acontecendo há cerca de uma semana, hoje amanheci de mau humor. Minha irritabilidade cresceu, inflou absurdamente das primeiras horas da manhã para a noite quando fui assistir a um determinado telejornal. O noticioso trouxe à sua bancada, mais uma vez, o escabroso conciliábulo para tomar, literalmente a pulso, no ano de 2022, às rédeas governamentais deste país. O atual governo desta pátria (lamentavelmente de chuteiras) vendeu os brios e a alma ao Centrão a troco de uma razoável governabilidade.

Entrementes o nove-dedos é um democrata respeitado além fronteiras nacionais. É um defensor estrênuo e extremo da democracia. Puxou quase seiscentos dias de cadeia e se manteve íntegro, não se lamuriou, não pediu arrego. Ao contrário do golpista, não borrou as calças. Mostrou fibra perante o mundo.

Já levei em conta, no curso destes relatos mórbidos, a imensa possibilidade de eu morrer com cinquenta e dois anos (o câncer só me deixa uma expectativa de vida de cinco ou seis meses) e um cancro político e moral como Donald Trump continuar esbanjando saúde e vilanias sobre a face da Terra. Isto, obviamente, em nível global. Mas, olhando agora para o nosso próprio rabo, considerando a esfera de Brasil, vem-me à lembrança um estrume ambulante que está nivelado com a besta norte-americana no que se refere ao mau-caratismo, arrogância e peçonha.

Esse típico sevandija, embora na iminência de ser trancafiado em Bangu 8 ou na Papuda por arquitetar e capitanear (curiosamente é capitão reformado do Exército) um plano que previa a abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o assassinato do presidente da República eleito havia pouco, do vice-presidente e de um destacado juiz do Supremo Tribunal Federal, não descarta se candidatar ao cargo eletivo mais importante desta federação.

O parasita se faz de doido, finge não ver a afiadíssima guilhotina que paira, que se encontra posicionada pouco menos de um metro acima do seu pescoço. Esse aramista, funâmbulo de olhos esbugalhados, boca torta, de saúde bichada e voz de papagaio, caminha sobre o fio da navalha. Tem consciência disso, no entanto dissimula com peculiar cinismo, exibe alguns arroubos de valentão; vocifera, destrata jornalistas que o apertam com indagações acerca de sua atuação no malogrado esquema.

O crápula aprontou todas e mais um bocado. Anda para cima e para baixo com pose e discurso de bom-moço, de elemento imaculado, de autêntico paladino dos bons costumes. Articulou, esquadrinhou, pôs em curso um plano sujo para se manter no poder. Ou seja, um golpe rasteiro mancomunado com uma quadrilha de alto coturno.

Militares cheios de empáfia e outros oficiais de relevo provaram o gosto da lona, caíram direitinho nas finas malhas do Ministério Público e da Polícia Federal. Deu ruim para essa horda de lacaios raivosos, fantoches. A vez do cabeça da tropa da maldade está bastante próxima. Trânsfuga, desertor, covarde até a última raiz dos cabelos, o outrora destemido e autoritário capitão cagou-se todo, chamando de malucos aqueles que o apoiavam concentrados na frente dos quartéis. Depressa ele tirou o cu da reta, amarelou, falou fino à presença do juiz Alexandre de Moraes.

Vejo que já bati além da conta nessa tecla. Esse criminoso ainda impune ferveu meu sangue. Mais cedo ou mais tarde pagará na Justiça tudo que deve. Vejo-me de saco cheio desse traste. Outra vez, devo admitir, vou tocando a mesma e enjoativa balada. A balada de um percevejo, um espírito de porco. Isto sem querer ofender os nobres suínos. Não faz muito tempo, empregando denominações e adjetivos nada lisonjeiros, escrevi uma incisiva crônica acerca desse salafrário.

Então, para evitar chover no molhado, recomendo que vocês encontrem e leiam “O espetáculo da putrefação”. Tenho plena certeza de que a manada vai mugir, escoicear, volver os cornos contra mim, entretanto quero mais é que se dane. Procurem a referida crônica.

Suponho que uma parcela dos leitores baterá palmas, fará comentários instigantes, encorajadores. Outra parcela, todavia, vai me devotar ódio eterno, decerto emitirá depoimentos furibundos contra este escriba. É o grupo dos acéfalos, dos zumbis e também dos arrivistas, do eleitorado simplesmente mau-caráter. Pois os que defendem o indefensável formam três categorias bem definidas: aqueles apenas ignorantes, os fanáticos absolutos e os interesseiros. O elenco dos interesseiros é aquele time que lucra uma dinheirama com a cegueira dos ignorantes e dos fanáticos.

A exemplo do meu câncer, o mito do patriota, guardião da família, homem devoto a Deus, falsamente evangélico, um sacripanta total, esse mito é uma doença que também mata. Não apenas mata, mas ainda zomba dos mortos e famílias enlutadas. Ele diz que não é coveiro, faz piadinhas com a dor até dos tolos que o adoram e aplaudem. É justamente isso. E que ache ruim quem quiser.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance

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