domingo - 20/07/2025 - 13:00h

O Efeito Casulo – Dia 8

Por Marcos Ferreira

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

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Chego ao oitavo dia em que me vejo relatando os dissabores de minha condição de enfermo fisgado por um câncer de pâncreas. Desde a primeira postagem destas minhas lamúrias, com fiel periodicidade, sempre aos domingos, exponho esta narrativa mal-alinhavada num blogue de nome BCS, do jornalista Carlos Santos. Até o presente momento a repercussão vem sendo um bocadopífia.

Há um púbico orgânico que volta e meia se dispõe a comentar algo acerca destas linhas pessimistas. Desde o início, após uma rápida pesquisa, constato que obtive depoimentos de exatas quinze pessoas: Júlio Rosado, Rita Aguiar, Marcos Pinto, Carlos Silva, Odemirton Filho, Francisco Nolasco, Raimundo Antonio de Souza Lopes, Marcos Araújo, Fransueldo Vieira de Araújo, Rosilene Rocha Soares Pinto, Ana Celly, Raimundo Gilmar da Silva Ferreira, Dulce Cavalcante, Bernadete Lino e Marcus Lucenna. Os demais leitores deste espaço, quiçá por indiferença ou simples desagrado diante destas memórias macambúzias, parecem me ignorar.

Imagino que meu número de leitores não deva crescer. Ou, olhando este conto autobiográfico com otimismo, talvez mais uns quatro ou cinco apareçam e apresentem uma opinião razoável quanto bem-vinda. Não nego que isto seria bom para o ego deste abominável homem das letras. É óbvio que minha história é lida por mais gente, todavia esse grupo incógnito prefere fazer de conta que não sabe de nada, finge desinteresse, simplesmente emudece ante meu relato. Que se fodam! Ninguém é obrigado a dar palpite sobre porra nenhuma,nem preciso mendigar ibope de filho da puta algum. Só trago estas sensaborias à superfície porque é um meio de este escriba e sua escrita não caírem no esquecimento absoluto. Não há outra razão.

Se não estou ruim da memória, creio que informei noutra oportunidade que meu nome completo é João Fernando Soares Barros. Pois é. Também suponho haver referido que, enquanto literato, me assino Fernando Barros, forma pela qual sou mais conhecido nos segmentos sociais e intelectuais. O senhor Fernando Barros, analisando-me aqui na terceira pessoa e fazendo uso de um adágio bastante popular, está fodido e mal pago. Não como possa se livrar dessa enrascada.

Além de mal-humorado, língua-suja e pessimista, desenvolvi uma náusea, dedico um asco corrosivo às convenções sociais. Claro que alguns estão livres de meuódio moribundo. Pois, no meu estreito círculo de amizades, vejo figuras dignas de elogio e apreço. Afora estas, sendo bem honesto, sinto um desprezo acrimonioso em relação à sociedade, ao bicho-homem. Nunca fui um tipo totalmente satisfeito, entusiasta da vida em rebanho, como diria Antonio Alvino, no entanto hoje meu azedume, minha índole misantrópica, está em um nível deveras elevado. Em meio a isto, indisposto com Deus e o mundo, tenho que lidar com os achaques da moléstia.

Dores abdominais e articulares, vômitos, fastio e perda rápida de peso me têm assustado. Anteontem um vizinho, cuja residência é quase diante da minha, enfartou. Foi levado às pressas para o hospital, contudo veio a óbito por volta das onze da noite. Fiquei sabendo disso atravésdas redes sociais da viúva, que nas primeiras horas do ataque fez uma postagem no Instagram pedindo orações para o marido. Alguns, como de praxe, logo asseguraramDeus está no controle!”, “Deus está no comando!”. Ainda assim o homem bateu as botas. O Todo-Poderoso, portanto, ficou na Dele. Não moveu uma palha. Decerto o enfartado já estivesse com o seu passaporte prontinhoNão houve interferência por parte do Altíssimo. A viúva fez nova postagem, desta feita informando o local, o horário do velório e enterro, que foi no São Sebastião.

Assim como eu, o senhor Geraldo Damasceno, de cinquenta e cinco anos, não era uma simpatia de vizinho.Longe disso. O cara parecia ter um rei na barriga. Entrava e saía de casa em seu carrão importado (uma BMW azulsem dar um olá a quem se encontrasse nas calçadas. A mim, não sei dizer o porquê, vez por outra me cumprimentava com um discreto aceno de cabeça. Somente isso.

Quem sabe fosse o modo dele se apiedar do único vizinho baixa-renda deste pedaço de rua. Talvez tivesse este raciocínio: “Deus é muito bom para mim. Olha só o meu carro e a bicicleta acabada daquele pobre-diabo. O infeliz não possui sequer um ar-condicionado. Deve comer mal, ter uma geladeira e um fogão velhos e dormir em uma cama ou rede surrada. Como se não bastasse, o joão-ninguém é veado. Grato, meu Deus, pelas bênçãos que o Senhor me oferta!”. Suponho que era um raciocínio dessa ordem. O senhor Damasceno, porém, foi estudar a geologia dos campos-santos, mais ou menos como no clássico “Dom Casmurro”, de Machado.

Minha hora também está próxima. Mas almejoconseguir pôr um ponto final nestas memórias hostis. Além dos poucos amigos que tenho, talvez meu ex-amante Ricardo Gurgel compareça ao meu velório e sepultamento. Embora viciado em maconha, ele é um rapaz religioso, uma espécie de católico por tabela, visto que os pais (falecidos), os irmãos e outros familiares são do rebanho da Igreja.

Ricardo Gurgel, tirando a questão da maconha e a malandragem congênita, merece ao menos o meu perdão. Sim, acho que posso perdoá-lo pelos três mil e quatrocentos reais que furtou de minha conta-corrente. Foino tempo em que sabia a minha senha e tinha acesso ao meu cartão do Banco do Brasil. Pois é. Antes de me dar um pé na bunda, o malandro surrupiou essa grana, raspou as minhas economias, o dinheirinho que eu vinha economizando para adquirir outra moto. Ao longo destes capítulos amargos, não me recordo quando, relatei que minha motocicleta Pop, ano 2014, foi furtada no Centro. Mossoró, volto a dizer, não é para amadores.

Por ironia do destino, como se diz, precisarei ter uma conversa séria com Ricardo. É que venho pensando ultimamente no que será feito desta casa, da sofrida mobília e de minha bicicleta. Como não tenho nenhum familiar, nenhum herdeiro, é provável que eu deixe o pouco que possuo para o safado do Ricardo Gurgel, cuja família o despreza completamente. Ontem ele me telefonou e disse que largou (foi largado, na verdade) o coroa que vinha comendo há uns oito meses.

Está desesperado. As aventuras no baralho e as apostas no jogo de sinuca o quebraram de vez. Por falta de pagamento, claro, foi despejado do muquifo que alugara no Alto da Conceição. Disse que nas últimas semanas vemdormindo nas ruas e praças deste município escroto com uma mochila ordinária cheia de roupas amarfanhadas. Ou seja, o safado não tem onde cair morto. Vendeu as tralhas,os objetos que tinha (geladeira, fogão, tevê, bicicleta) e se fodeu na jogatina. Agora o pilantra está me pedindo guarida. O pior é que ainda gosto daquele sem-vergonha.

Não falei sobre meu câncer. Só disse que vou ajudá-lo. Ligou a cobrar. Apesar da pindaíba, da ruína financeira, continua com o telefone. Vem sofrendo como um cão sem dono. Nunca havia descido tanto, chegado ao fundo do poço. Hoje, todavia, não aliviarei a barra dele. Quero que durma mais uma noite ao relento. Amanhã, por volta das dez e meia, vou chamá-lo para almoçar aqui.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance

Comentários

  1. Bernadete Lino diz:

    Como está difícil a realidade do Fernando: fica analisando o entorno; se comparando; revoltado; com esperança de viver um pouco o sentimento com o ex-companheiro. Sabe que a conveniência é o sentimento do ex, mas está frágil e se apega à ideia de amenizar o próprio sofrimento . Não está fácil a vida do Fernando! Consciente de que está num beco sem saída e com o cronômetro mostrando que está se aproximando o desfecho, deixa-se usar. O fundo do poço ainda é pouco; o desespero leva-o a decisões baseadas no medo de enfrentar sozinho, a própria morte. Não julgo o Fernando, no lugar dele, não consigo nem me imaginar, que dirá fazer julgamento. Penso que ele tem sentimentos de culpa e desprezo pela condição de homossexual. Parece-me que é algo mal resolvido na vida dele. Tenho dó do Fernando. Tem auto-estima baixa. Nunca se amou e agora não dá mais tempo de corrigir a rota.

  2. Marcos Pinto. diz:

    Homi de DEUS !. Acomselham os princípios Bíblicos bque nunca devemos nos entregar aos efeitos das dificuldades do dia-á-dia. Sei que você, do alto da sua sabedoria vai responder olhando para os seus botões : “PIMENTA no cu dos outros no meu é refresco”. A pior constatação é qye é a mais pura verdade. Sempre fui conyrario á tal da CONFISSÃO INDIVIDUAL” – Pura hipocrisia, ainda, infelizmente, empregafa de forma retrógrada e esdŕúxula nos rituais litúrgicos da Igreja Católica.. Não se concebe que em pleno Século XXI um srr humano consciente se ajoelhe, genuflexo, no Confessório para apresentar confissões que só DEUS nos cabe confessar em nossas devotadas Orações. Ja passei por esra espécie de suplício voluntário. Tenho muitos amigos Clérigos, mas sempre que os encontro no Período Quaresmal faço questão de alertá-los para a concretufe do fato deles estarem investidos de funções eclesiásticas não lhes assiste a tutela do “poder” de perdoar-lhes o perdão dos pecados Capitais e veniais. Vejam qur a Igreja Católica Apostólucav Romana incorreu no r8dículo de vender indulgências, tendo chegado ao ponto de “Senhores de Engenho” matarrem Escravos sob violentos açoites de chicotes recorrerem, sob falsos acordes de remorso, aos Clérigos mais próximos, pedindo o tão esperado PERDÃO DOS PECADOS. Em meu entender, adotaria a Draconiana atitude em submeter ditos “Senhores ,de Engenho/Escravos, à mesma tortura, para que o mesmo sentisse a exata dimensão do flagelo corporal truculentamente e asquerosamente imposto. Essa é de lascar.

  3. Francisco Nolasco diz:

    Prossegue a saga do sofrimento do nosso personagem confrontando a realidade de tantos outros que sofrem dessa doença cruel e sem cura..

  4. Marcos Pinto. diz:

    Ainda sob a temática CONFISSÃO : A Venerada Igreja Católics observando a necessidade de estabelecer im meio democratico da Confissão, faculra ais Cristãos praticantes a faculdade da CONFISSÃO COMUNITÁRIA. À propósito da Confissão individual lembro-me nwue eu, ainda imberbe em meus tenros e puritanos 14 anos de idade “inventei” de me confessar pela primeira vez. Muito contrito, postei-me genuflexo no Confessório, para ouvir, de bste-pronto, a coxixante voz do Padre a me “instigar” :, …” Conte os seus pecados !.”. Marminino, deu-me uma esoécie de calafrio diante minha tamanha lista de pecados, que eu, matuto com diploma de beradeiro da lagoa do meu amado Aodi, disparei a resposta para o Padre : Homi, se eu for contar tidis os meus oecadis vai parecer mais com a “Voz do Brasil”. Notei wue o Padre não se segurou vem bum duscreto briso baixinho. Diante o empedernido matuto, só btestou ao contido Clérigo abreviar a Confissão, dizendo solenemente “Teus pecados estão perdoados !.”. Pensei comigo mesmo e com o eespírito em risos – “Agora tejam !..

  5. Marcos Pinto. diz:

    Onde se lê CONFESSÓRIO leia-se Confessonário. Agora fiquei em dúvida se os dois sinônimos estão corretos. Essa é de lascar.

  6. Marcos Pinto. diz:

    Ainda corrigindo: CONFESSIONÁRIO.

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