Por Inácio Augusto de Almeida
Gostava de dormir. Desde o dia que sonhou estar em Shangri-la, sempre que podia, dormia. E quando não podia, dava um jeito.
Sabia não existir felicidade contínua. Na vida real. Mas no sonho…
No sonho, quando se transportava para Shangri-la, sabia ser possível a convivência harmoniosa entre pessoas de todas as procedências.
Em Shangri-la não há lugar para homicidas, traficantes, estupradores e corruptos.
Diferente de Pasárgada, lá ninguém é amigo do rei, porque além de não existir rei, ninguém em Shangri-la é delfim.
Lá a justiça é igual para todos, independentemente da cor da pele, poder econômico ou profissão.
Nem sempre sonhava estar em Shangri-la, maioria das vezes se via correndo leve, solto, livre totalmente, por uma campina de grama esverdeada e com muitos lagos de águas cristalinas onde se banhava alegremente. Sentia-se bem, mas não feliz como em Shangri-la.
Alguma coisa faltava naquele lugar paradisíaco e imaginou ser a tranquilidade excessiva o que lhe perturbava. Ninguém com quem conversar.
Sentia-se só.
Continuou caminhando entre flores e pisando numa grama que o orvalho tornara mais macia.
Ao longe via um lindo sol rasgando nuvens brancas tendo como fundo um lindo céu azul.
Arcos-iris múltiplos se formavam tornando o firmamento belo.
Tudo muito bonito, lindo, maravilhoso.
Só que dentro de si começava a crescer uma angústia.
A certeza de estar só o fez sentar-se à beira do lago e chorar.
Queria falar, dizer o quanto queria dividir tudo aquilo com alguém, mas alguém não existia. Chegou mesmo a lamentar ter medo de por estar sozinho aparecer um ladrão. No fundo do coração se agigantava o desejo do surgimento de um bandido.
Era a terrível solidão mostrando-se por completo e provocando-lhe a maior de todas as dores.
A dor de ser feliz sozinho.
Sabia ser esta a dor presente na vida de todos aqueles que esquecem os amigos de ontem por terem atingido o apogeu e nem se lembrarem que tudo passa e a vida continua. São os que enxergaram apenas a escada que sobe e da escada que desce se esqueceram. Como da decrepitude que chega com o inexorável passar dos anos nem se lembram e passam a viver como se o ocaso que vem com o inverno não existisse e a vida fosse uma eterna primavera.
Ouviu um grito e acordou.
Era a mulher a lhe mostrar o papel da conta de luz e a reclamar que o gás tinha acabado.
Levantou-se da cama sorrindo como antes jamais sorrira.
– Além de viver dormindo ainda ri quando sabe que o gás acaba.
A mulher falando e ele rindo mais ainda. Nos seus olhos o brilho da felicidade.
Afinal tudo não tinha passado de um sonho.
Sonho ou pesadelo?
A partir deste dia passou a dormir menos.
Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista
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