Por Marcelo Alves
Ainda durante o verão estou lendo “As ideias de Bertrand Russell” (Editoras Cultrix e da Universidade de São Paulo, 1974), livro de autoria do também filósofo A. J. Ayer (1910-1989).
Conheci Bertrand Russell (1872-1970), o 3º Conde Russell, aristocrata, matemático, lógico, filósofo, historiador, professor, popularizador da ciência/filosofia, escritor Prêmio Nobel de Literatura, liberal múltiplas vezes casado, ativista, pacifista e muitas coisas mais, quando, há muitos anos, encantado, li sua “História da filosofia ocidental” (1945) e sua “História do pensamento ocidental” (1959). Revisitei esses livros algumas vezes na vida. Eles consagram o dito: “Um livro que não merece ser relido não merece ser lido”.
Tenho Russell como um perfeito exemplo do que Horácio Gonzalez (1944-2021), em “O que são intelectuais” (Editora Brasiliense, 1981), chama de “intelectual cosmopolita”, uma vez que ele concebia “a vida cultural como uma forma de comunicação acima das particularidades nacionais, regionais e locais”. Acreditando que o objetivo da prática intelectual é o aperfeiçoamento tanto do patrimônio cultural como social da humanidade, ele era também um “intelectual iluminista”, já que buscava trasladar, para todos os cantos do mundo, uma “cultura” que achava a melhor. Era deveras engajado. E, por fim, embora sofrendo a crítica dos puristas, para nosso deleite ele soube fazer ciência/filosofia e escrever deliciosamente para os leigos.
Muitas vezes perseguido, impedido de lecionar, proibido de viajar e preso, tudo em razão das suas ideias, Russell passou por alguns perrengues na vida. Em boa medida, a “História da filosofia ocidental” foi o que os ingleses chamam de “turning point” na sua vida, já que, financeiramente um sucesso, livrou o autor, daí em diante, de problemas com dinheiro. E foi sobretudo na virada dos anos 1940 para os 1950 que as atividades de Russel ganharam vulto.
Foi merecedor de “favores oficiais”, como a Ordem do Mérito e a eleição para várias sociedades britânicas. Em 1950, veio o Prêmio Nobel de Literatura. As publicações não pararam. Junto com Albert Einstein (1879-1955) e outros grandes cientistas, militou em favor da cooperação pacífica e do desarmamento nuclear.
Como anota Ayer, Russell “correspondia-se com chefes de Estado e interveio tanto na crise cubana de 1962 como no incidente sino-indiano, provocado por questão de fronteiras. Defendeu a causa dos judeus na Rússia, dos árabes em Israel e dos prisioneiros políticos na Alemanha Oriental e na Grécia”. Criou até um “Tribunal Internacional de Crimes de Guerra”, do que qual Jean Paul Sartre (1905-1980) foi o integrante mais badalado. E por aí vai.
Como lembra o “biógrafo intelectual” Ayer, Russel “é figura singular entre os filósofos de nosso século, por haver combinado o estudo de problemas especializados não apenas com o interesse pelas ciências naturais e sociais, mas também com a dedicação a questões de educação, tanto primária como superior, e, ainda, com ativa participação em política. A celebridade internacional, de que gozou no fim da vida, teve, sem dúvida, por principal motivo, sua atividade política e a ação de pregador de ideias morais e sociais; contudo, o lugar que venha ocupar na história, ele o deverá a sua obra filosófica e, especialmente, à que produziu na juventude e nos primeiros anos de maturidade. (…). Em verdade, com a possível exceção de seu discípulo Ludwig Wittgenstein, não há filósofo de nosso tempo que tanto tenha inovado, não somente no que respeita ao tratamento de particulares problemas filosóficos, mas ainda no que concerne à colocação global da matéria”.
De toda sorte, impossibilitado de “entender” os seus “Principia Mathematica” – que, publicados de 1910 a 1913 em coautoria com Alfred North Whitehead (1861-1947), muito provavelmente são sua obra-prima –, homenageio aqui as “Histórias” da filosofia e do pensamento de Bertrand Russell. Confesso que elas são em grande medida responsáveis pela minha paixão pela história das ciências e das artes e, em especial, do direito.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
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