• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 29/07/2012 - 09:54h

O peixe

Por Patativa do Assaré

Tendo por berço
o lago cristalino,
folga o peixe
a nadar todo inocente.

Medo ou receio
do porvir não sente,
pois vive incauto
do fatal destino.

Se na ponta de
um fio longo e fino
a isca avista,
ferra-a inconsciente,

Ficando o pobre
peixe de repente,
preso ao anzol
do pescador ladino.

O camponês também
do nosso Estado,
ante a campanha eleitoral:
Coitado.

Daquele peixe tem
a mesma sorte.
Antes do pleito:
festa, riso e gosto.

Depois do pleito:
imposto e mais imposto…
Pobre matuto do
Sertão do Norte.

Patativa do Assaré (1909-2002) – Poeta, repentista e compositor cearense nascido em Assaré, sob o nome Antônio Gonçalves da Silva, que tem sua obra estudada até em instituições acadêmicas no Brasil e exterior.

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Categoria(s): Poesia

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    GÊNIO!
    Impossível definir Patativa do Assaré de forma diferente.
    Um simples agricultor, quase analfabeto, fez as mais lindas poesias nordestinas de todos os tempos.
    Não conheço niguém que tão bem retratou o sofrimento do povo nordestino como este grande poeta.
    Quem conhece a TRISTE PARTIDA, que Luiz Gonzaga cantou, sabe do que eu etou falando.
    Tomo a liberdade, dado a beleza do poema, de transcrever A TRISTE PARTIDA:

    Triste Partida

    Patativa do Assaré

    Meu Deus, meu Deus. . .

    Setembro passou
    Outubro e Novembro
    Já tamo em Dezembro
    Meu Deus, que é de nós,
    Meu Deus, meu Deus
    Assim fala o pobre
    Do seco Nordeste
    Com medo da peste
    Da fome feroz
    Ai, ai, ai, ai

    A treze do mês
    Ele fez experiência
    Perdeu sua crença
    Nas pedras de sal,
    Meu Deus, meu Deus
    Mas noutra esperança
    Com gosto se agarra
    Pensando na barra
    Do alegre Natal
    Ai, ai, ai, ai

    Rompeu-se o Natal
    Porém barra não veio
    O sol bem vermeio
    Nasceu muito além
    Meu Deus, meu Deus
    Na copa da mata
    Buzina a cigarra
    Ninguém vê a barra
    Pois a barra não tem
    Ai, ai, ai, ai

    Sem chuva na terra
    Descamba Janeiro,
    Depois fevereiro
    E o mesmo verão
    Meu Deus, meu Deus
    Entonce o nortista
    Pensando consigo
    Diz: “isso é castigo
    não chove mais não”
    Ai, ai, ai, ai

    Apela pra Março
    Que é o mês preferido
    Do santo querido
    Senhor São José
    Meu Deus, meu Deus
    Mas nada de chuva
    Tá tudo sem jeito
    Lhe foge do peito
    O resto da fé
    Ai, ai, ai, ai

    Agora pensando
    Ele segue outra tria
    Chamando a famia
    Começa a dizer
    Meu Deus, meu Deus
    Eu vendo meu burro
    Meu jegue e o cavalo
    Nós vamos a São Paulo
    Viver ou morrer
    Ai, ai, ai, ai

    Nós vamos a São Paulo
    Que a coisa tá feia
    Por terras alheia
    Nós vamos vagar
    Meu Deus, meu Deus
    Se o nosso destino
    Não for tão mesquinho
    Cá e pro mesmo cantinho
    Nós torna a voltar
    Ai, ai, ai, ai

    E vende seu burro
    Jumento e o cavalo
    Inté mesmo o galo
    Venderam também
    Meu Deus, meu Deus
    Pois logo aparece
    Feliz fazendeiro
    Por pouco dinheiro
    Lhe compra o que tem
    Ai, ai, ai, ai

    Em um caminhão
    Ele joga a famia
    Chegou o triste dia
    Já vai viajar
    Meu Deus, meu Deus
    A seca terrível
    Que tudo devora
    Lhe bota pra fora
    Da terra natá
    Ai, ai, ai, ai

    O carro já corre
    No topo da serra
    Oiando pra terra
    Seu berço, seu lar
    Meu Deus, meu Deus
    Aquele nortista
    Partido de pena
    De longe acena
    Adeus meu lugar
    Ai, ai, ai, ai

    No dia seguinte
    Já tudo enfadado
    E o carro embalado
    Veloz a correr
    Meu Deus, meu Deus
    Tão triste, coitado
    Falando saudoso
    Seu filho choroso
    Exclama a dizer
    Ai, ai, ai, ai

    De pena e saudade
    Papai sei que morro
    Meu pobre cachorro
    Quem dá de comer?
    Meu Deus, meu Deus
    Já outro pergunta
    Mãezinha, e meu gato?
    Com fome, sem trato
    Mimi vai morrer
    Ai, ai, ai, ai

    E a linda pequena
    Tremendo de medo
    “Mamãe, meus brinquedo
    Meu pé de fulô?”
    Meu Deus, meu Deus
    Meu pé de roseira
    Coitado, ele seca
    E minha boneca
    Também lá ficou
    Ai, ai, ai, ai

    E assim vão deixando
    Com choro e gemido
    Do berço querido
    Céu lindo azul
    Meu Deus, meu Deus
    O pai, pesaroso
    Nos filho pensando
    E o carro rodando
    Na estrada do Sul
    Ai, ai, ai, ai

    Chegaram em São Paulo
    Sem cobre quebrado
    E o pobre acanhado
    Procura um patrão
    Meu Deus, meu Deus
    Só vê cara estranha
    De estranha gente
    Tudo é diferente
    Do caro torrão
    Ai, ai, ai, ai

    Trabaia dois ano,
    Três ano e mais ano
    E sempre nos prano
    De um dia vortar
    Meu Deus, meu Deus
    Mas nunca ele pode
    Só vive devendo
    E assim vai sofrendo
    É sofrer sem parar
    Ai, ai, ai, ai

    Se arguma notícia
    Das banda do norte
    Tem ele por sorte
    O gosto de ouvir
    Meu Deus, meu Deus
    Lhe bate no peito
    Saudade lhe molho
    E as água nos óio
    Começa a cair
    Ai, ai, ai, ai

    Do mundo afastado
    Ali vive preso
    Sofrendo desprezo
    Devendo ao patrão
    Meu Deus, meu Deus
    O tempo rolando
    Vai dia e vem dia
    E aquela famia
    Não vorta mais não
    Ai, ai, ai, ai

    Distante da terra
    Tão seca mas boa
    Exposto à garoa
    À lama e o paú
    Meu Deus, meu Deus
    Faz pena o nortista
    Tão forte, tão bravo
    Viver como escravo
    No Norte e no Sul
    Ai, ai, ai, ai
    /////
    DEPOIS DISTO É PRECISO DIZER MAIS ALGUMA COISA?
    Apenas agradecer a Deus por nos ter dado PATATIVA DO ASSARÉ.

  2. Marcos Pinto. diz:

    Pense numa poesia bem contextualizada e que nunca deixará de ser atualizada!. Aqui em Mossoró, nem peixes temos mais no antigo Rio Mossoró, assassinado pela sanha imobiliária e pela omissão voluntariosa dos/das que exerceram a chefia do executivo municipal nos últimos 30 anos, que não fizeram cumprir o Código de posturas do município, citando como exemplo a ocupação das margens do rio pela especulação imobiliária, que vendeu terras pertencentes à União e ao município, contando, inclusive,com a omissão do Ministério Público. Uma lástima, pois.

  3. vicente Venancio diz:

    Carlos, bom dia.
    Ainda jovem ouvia Patativa do Assaré todas as manhãs na Rádio Araripe do Crato – Ce, num programa de poesias comandado por “Seu Elói”, um radialista famoso na Região do Cariri Cearense. Um primor. Deixou saudades.

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