Por François Silvestre
Numa cidade alemã, desenvolvida e de médio porte, havia dois colégios renomados. Um deles, laico. O outro, presbiteriano, cujo Reitor tinha a fama de intransigente em matéria de fé.
Esse Reitor vivia às turras com o melhor alfaiate da Cidade. O costureiro, culto e ateu, zombava das opiniões do Reitor. No único jornal do lugar, os dois trocavam farpas e ironias.
Pessoalmente, tratavam-se com sociabilidade. Havia entre eles um respeito reverencial. Mesmo que nenhum poupasse do outro uma irreverência teórica. Um gostinho áspero de provocação.
O presbítero possuía uma razoável cultura humanística, com forte alicerce calvinista. O alfaiate era leitor dos clássicos, cujo ateísmo tinha suporte no anarquismo empírico. Não militava politicamente, mas não se negava a expor abertamente sua franca oposição à burguesia alemã e a todas as denominações religiosas.
E assim eles viviam e conviviam numa comunidade sossegada, de uma cidade média da Alemanha do Século Dezenove.
Início de ano letivo, o presbítero Reitor vai conferindo a lista dos candidatos à matrícula no colégio que dirigia. Um nome lhe chama à curiosidade. Ou melhor, um sobrenome.
Ele percebeu que um dos candidatos carregava o nome de família do alfaiate ateu. Não quis acreditar. Até porque o colégio laico da Cidade era reconhecidamente de excelente qualidade. Reconhecido até pelo colégio concorrente. E por todos daquela comunidade.
O que fez? Determinou à secretaria da escola que encaminhasse o aluno pretendente à sua sala. E assim foi feito. Ao conversar com o jovem descobriu que ele era mesmo filho do seu oponente ateu.
Não teve dúvida. Resolveu procurar o alfaiate para esclarecer aquela decisão.
O desafeto estava na alfaiataria, costurando uma peça, quando chega o Reitor do colégio presbiteriano. Cumprimentou-o e ofereceu-lhe uma cadeira.
“Seu filho foi matriculado no “meu” colégio. A quem se deve essa decisão; porque não deve ter sido sua, foi dele”? O alfaiate, deliciando-se com aquela pergunta, respondeu: “Foi decisão minha. Ele queria ir para o outro colégio”.
O reitor questionou: “Pois fique sabendo que faremos tudo para que ele conheça Deus e O conheça bem”.
O alfaiate respondeu, rindo: “É isso mesmo que eu quero e espero que você seja competente nisso; pois o homem precisa conhecer, em profundidade, aquilo que vai combater”.
Esse relato consta da obra de Eugen Rosenstock-Huessy, sobre a origem da linguagem. O pensador alemão, de origem judaica, aderiu ao cristianismo ainda jovem. Dedicou-se ao estudo profundo, sistemático, da linguagem.
A demonstrar que o conhecimento dela é passo necessário para desvendar os mistérios da evolução humana. “A palavra Deus não significa aquele que cria, mas aquele que fala”.
O único invencível é o desconhecido.
Té mais.
François Silvestre é escritor
Valha-me Deus.
Muito bom! Uma das grandes verdades sobre a atuação judicante, que desde os bancos da universidade percebia e que hoje tenho plena certeza, é a deficiência dos operadores do direito de hoje, em se colocar no papel do adversário, pensar seus argumentos e contra-argumentos e etc.
“Conhecer, em profundidade, aquilo que vai combater”, melhor lição não há!